Da Crítica à Razão Instrumental até a Razão Comunicativa (parte 2)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

    1. As aporias da razão e a ruptura de Habermas.

As conseqüências filosóficas dos postulados erigidos pelos frankfurtianos são de impacto profundo. Suas teses, levadas ao máximo de sua reflexão, darão lugar a uma crítica implacável sobre a modernidade e sua forma de conhecer o mundo. Essa, como se viu, é a mesma operação que dá bases ao agir voltado para a dominação, o agir instrumental. Se, por um lado, essa atitude, tipicamente Iluminista, trouxe um inegável avanço no campo das ciências e da técnica, por outro, no que diz respeito a seus objetivos originais de emancipação do gênero humano, ela vem a jogar um peso determinante na manutenção de diversas relações sociais que impedem essa potência utópica da razão de se manifestar.


As idéias desenvolvidas pelos filósofos marxistas de Frankfurt irão influenciar diversos nomes importantes da filosofia contemporânea. Esta influência no entanto, parece configurar-se em uma bifurcação que leva a duas maneiras distintas de encarar a crítica desenvolvida e, por conseguinte, a própria modernidade.


Por um lado, a crítica à razão desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Social dá bases ao desenvolvimento do chamado pós-estruturalismo1. Reunindo uma gama de autores que julgam encontrar nessa crítica uma chave analítica preciosa para o diagnóstico da realidade contemporânea, os pós-estruturalistas (ou pós-modernos), analogamente aos nomes do marxismo ocidental, não possuem, entre si, nexos rígidos de pensamento. Sua base comum, no entanto, está nas formulações de Frankfurt e de Nietzsche2.


Para nomes como Lyotard, Derrida, Deleuze, Foucault etc., a razão seria a base da modernidade, assim como de suas patologias. Seria indispensável, hoje, um esforço para o encontro com o outro da razão3. A pós-modernidade, assim, afasta-se do que chama de “as meta-narrativas” da modernidade4, e, com isso, da utopia da emancipação por via de um projeto racional, fundando uma crítica irracionalista à modernidade. Assim, Heiddeger, julga encontrar o outro da razão na figura do tempo, enquanto Foucault o identifica com um estudo genealógico sobre o corpo5.


Habermas representa, nesse contexto, a alternativa diversa da bifurcação aberta por Adorno e Horkheimer. Ele fará um grande esforço em identificar os limites da formulação de seus mestres, ao mesmo tempo em que objetiva manter-se fiel ao projeto da modernidade e, com isso, do Iluminismo.


Para ele, Adorno e Horkheimer, em sua melhor produção, cometeram uma aporia fundamental, que, por sua vez, dará as bases para o pensamento pós-estruturalista. Se a tarefa de esclarecer o próprio esclarecimento sobre si mesmo, no sentido que é construído pelos frankfurtianos de primeira geração, é levada às últimas conseqüências, outra não poderia ser a conclusão de que a razão, esse centro da atividade do homem, que dirigiria a humanidade à emancipação, na verdade, é produtora de novos mitos, e com isso, de uma cada vez maior reificação das relações humanas.


Por outro lado, quem, se não a própria razão poderia ter produzido essa ferrenha crítica sobre si mesma? É frente a esse problema racional básico que Habermas inicia seu esforço intelectual. Sua conclusão primordial é a de que, no momento em que nega a potencialidade emancipatória da razão, a Escola de Frankfurt está, concomitantemente, retirando de seu próprio pensamento as bases normativas que dão sustentação a ele. Se a razão não pode ser fonte de um agir voltado para a emancipação, como parece demonstrar seu desenvolvimento histórico identificado em A Dialética do Esclarecimento, como fundamentar essa mesma crítica, que é realizada a partir de um itinerário marcadamente racional6?


Habermas identifica aspectos em que Adorno aproxima-se demasiadamente da forma nietzscheniana de encarar o problema. Para ele, o autor da Dialética Negativa, vai encontrar em sua negação determinada7 a maneira de conviver com a crítica que dirige ao pensar da modernidade. Essa postura torna-se, para Habermas, análoga àquela utilizada por Nietzsche em sua teoria do poder: um escape a uma genealogia que acaba por, na busca das origens do poder, reconstruir o mito de sua criação8.


No entanto, em O Discurso Filosófico da Modernidade, Habermas indica que Adorno tinha consciência da aporia em que se encontrava9. O frankfurtiano de segunda geração descreve a situação em que seu mestre quedava:


Quem persiste em paradoxo, ali onde a filosofia se manteve ocupada com suas fundamentações últimas, não adota apenas uma posição incômoda; só pode manter sua posição se ao menos tornar plausível que não há nenhuma saída. A possibilidade de retirar-se de uma situação aporética tem de estar igualmente barrada, se não haveria um caminho, precisamente o de volta. Parece-me, no entanto, que este caminho existe.10


Esse caminho de volta que Habermas julga encontrar é, justamente, a teoria do agir comunicativo11. Assim, o filósofo pretende, a partir da descoberta aporética de seus mestres, postular que, ao invés de uma postura irracionalista, a saída para o paradoxo é, na verdade, um conceito amplo de racionalidade12. Essa postura, sem dúvidas, o coloca em flagrante contra-mão ao pensamento pós-estruturalista. De fato, a crítica de Habermas a estes pensadores é mordaz.


Para ele, as formulações que apresentam são típicas da postura daqueles que ele classifica enquanto jovens conservadores13. Não os encara como conservadores na mais clássica acepção do termo. Esta tipologia habermasiana, aliás, veio a causar uma ruidosa comoção entre os pensadores franceses, abalados com a alcunha, já que, em sua pátria, estiveram sempre ligados à chamada gauche philosophique14. Porém, assim os classifica por, apesar de identificar a postura de não aceitação às patologias da modernidade neles presentes, não consegue encontrar, nos mesmos, argumentos favoráveis ao engajamento político emancipatório15. Antes, os pós-modernos conformam-se em desistir da modernidade, que, para Habermas, configura-se enquanto um projeto inacabado.


Sua ruptura com a primeira geração da Escola de Frankfurt é configurada, portanto, em um processo de recepção crítica de suas formulações somado à decisão de dar continuidade à Teoria Crítica em outros moldes. O afastamento habermasiano se dará em sua formulação acerca da razão comunicativa. Com o seu caminho de volta Habermas procurará responder à três dificuldades que identifica na Teoria Crítica frankfurtiana:


As maiores deficiência que Habermas sentia em relação à teoria crítica diziam respeito à sua “fundamentação normativa”, seu “conceito de verdade e sua relação com as disciplinas científicas”, e “sua subestimação das tradições democráticas e constitucionais de um Estado legal”.16


O problema da “fundamentação normativa” é, justamente, o exposto acima. Em sua crítica da ideologia totalizante a Teoria Crítica acaba por atacar seus próprios fundamentos. Para Habermas, passa a ser uma exigência a mudança de paradigma utilizado pela filosofia. O conceito de razão utilizado pelos primeiros frankfurtianos, que seria arraigadamente baseado em uma filosofia da história, precisa ser superado. Para tal superação Habermas irá propôr, ao invés da crítica à razão tout court realizada pelos pós-modernos, uma mudança de paradigma, que deverá se constituir no abandono daquela que chama de filosofia da consciência, rumo à adesão à filosofia da linguagem.

1“Lyotard é um leitor minucioso de Adorno e assume decididamente suas idéias centrais: a concepção de incomensurável, do não-representável, da rejeição da comunicação como norma, do pensar em forma de paradoxos, da crítica da estética da inovação, do método micrológico. O próprio Habermas destaca 'a afinidade intelectual de Adorno com Derrida, por um lado, e com Foulcault, por outro lado'. Essa afinidade consiste no elemento subversivo-espirituoso de uma crítica da razão consciente de sua auto-referência paradoxal, assim como na aplicação dos potenciais de experiência da vanguarda estética a problemas da filosofia e da política”. REESE-SCHÄFFER, Walter. Compreender Habermas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 129.

2FREITAG, Barbara. op. cit. p. 116.

3“Mas os irmãos Böhme não querem exorcizar o diabo com a ajuda de Belzebu; pelo contrário, juntamente com Foucault, vêem na passagem de uma razão exclusiva (de cunho kantiano) para uma razão compreensiva a mera 'complementação do tipo de poder baseado na exclusão pelo tipo de poder fundado na penetração'. Para serem conseqüentes, sua própria investigação deveria ocupar, no outro da razão, um posto absolutamente heterogêneo à razão”. HABERMAS, Jürgen. O Discursos Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins-Fontes, 2000. pp. 421-422.

4SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 14-15.

5“Habermas interpreta o pós-estruturalismo do seguinte modo: a crítica à razão, que se configura nestes autores, nega a continuidade como discurso da modernidade, com a idéia de razão da modernidade: Heidegger escolhe o tempo como sendo o 'outro' da razão. E este 'outro' constitui um poder originário, anônimo, liquidificado em tempo. Ao passo que M. Foucault concentra-se na dimensão da certeza espacial na experiência do próprio corpo e concebe o 'outro' da razão como a fonte anônima de interações ligadas ao corpo”. Idem, ibdem. p. 35.

6“O procedimento ideológico-crítico de Marx, que descobre pretensões de repressão ocultas atrás de teorias, é totalizado na Dialektik der Aufklärung. O conjunto da razão do mundo burguês é colocado sob suspeita ideológica. Com isso é atingida a última revelação possível, pois aqui a razão precisa denunciar-se a si mesma. A perspectiva a partir da qual a crítica é exercida, não pode ser mais indicada seguramente; a crítica da razão executa rapidamente sua auto-suspensão”. REESE-SCHÄFFER, Walter. op. cit. pp. 130-131.

7Idem, ibdem. p. 131.

8“A Dialética Negativa, de Adorno, pode ser lida como a continuação da explicação de por que temos de girar em torno dessa contradição performativa, e devemos mesmo persistir nela, de por que somente o desdobramento insistente e incansável do paradoxo abre a perspectiva daquela “reminiscência da natureza do sujeito”, invocada quase de maneira mágica, “que encerra a verdade ignorada de toda a cultura” (…) Nietzsche coibiu essa estrutura paradoxal, explicando a assimilação da razão no poder, consumada na modernidade, com uma teoria do poder que se remitologiza voluntariamente e, em vez da pretensão de verdade, retém apenas a pretensão retórica do pensamento estético. Nietzche mostrou como a crítica se totaliza”. HABERMAS, Jürgen. op. cit. pp. 170-171.

9“Adorno estava perfeitamente consciente dessa contradição performativa da crítica totalizada”. Idem, ibdem. p. 170.

10Idem, ibdem. p. 183.

11 REESE-SCHÄFER, Walter. op. cit. p. 131

12SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 64.

13FREITAG, Barbara. Teoria crítica ontem e hoje. 5ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 117.

14 REESE-SCHÄFER, Walter. op. cit. p. 124-125.

15 Idem, ibdem. p. 128.

16ARAGÃO, Lucia. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 45.

Da Crítica à Razão Instrumental até a Razão Comunicativa (parte 1)

sexta-feira, 9 de outubro de 2009


A obra da maturidade Jürgen Habermas se desdobra a partir de um ponto bem definido. Sua herança frankfurtiana o levou a refletir, fundamentalmente, acerca de uma teoria que fosse capaz de discutir as patologias sociais da modernidade. Sua tese original, parte da crítica à razão instrumental formulada pelos pensadores que o antecederam.

A questão da crítica da razão em Habermas demonstra-se como tema de importância capital, pois é a partir dela que se alicerçam suas propostas para uma filosofia do direito. O abandono do paradigma da consciência, que se desdobra em uma formulação da razão comunicativa é imprescindível para o desenvolvimento de sua teoria da democracia. Este itinerário só se faz possível a partir da negação da razão instrumental.


1.1 A Teoria Crítica e a crítica à razão instrumental.

Discípulo direto da primeira geração da denominada Escola de Fankfurt, Habermas torna-se tributário da crítica à razão instrumental, a tese basilar daquele núcleo intelectual germânico que veio a florescer na década de 1930. Max Horkheimer, Theodor Adorno, Hebert Marcuse e Walter Benjamin, são os principais nomes a compor tal linha de pensamento. Suas trajetórias biográficas, assim como sua produção literária, encontram-se profundamente ligados com aquilo que se convencionou a denominar marxismo ocidental.

Perry Anderson, em ensaio sobre o tema1, esclarece os aspectos principais que vieram a contribuir para a construção teórica edificada pelos frankfurtianos. O ponto de acúmulo destes se dá em torno do Instituto de Pesquisa Social, órgão que mantinha ligações com a Universidade de Frankfurt, apesar de não ser propriamente um departamento de seu organograma interno. Fundado em 1923, tinha o declarado intuito de desenvolver o pensamento marxista2, sendo um pólo independente de produção científica ocupado por intelectuais ligados tanto ao Partido Comunista, quanto ao Partido Social-Democrata alemães3.

A partir do ano de 1930, Max Horkheimer assume a diretoria do Instituto4. Esta modificação em seus quadros coincide com um contexto histórico marcado por uma gama de fatores que o levam a rumos relativamente distintos daqueles tomados na ocasião de sua fundação. Apesar de não abandonar as matrizes marxistas de pensamento, o Instituto de Pesquisa Social passa dirigir suas investigações a temas diversos daqueles abordados uma década atrás. Se, a princípio, as preocupações desenvolvidas por seus integrantes se dirigiam à solução de problemas visceralmente ligados às questões de economia política e do movimento operário, marca que definia o pensamento marxista como um todo até o fim da década de 1920, a partir de agora afastava-se cada vez mais desta via. O leque de debates que passa a ser cultivado vem a abranger temas de implicações práticas cada vez mais indiretas5. É curioso notar, nesse sentido, que ao contrário dos marxistas clássicos das duas primeiras décadas do séc. XX, os frankfurtianos possuíam formação teórica acadêmica e, mais que isso, na área de filosofia.

O marxismo ocidental, apesar do que a denominação possa sugerir, nunca foi propriamente uma corrente filosófica, ou política de fato. Sob esta insígnia reúnem-se nomes como Lukács, Korsch, a Escola de Frankfurt, Althusser, Della-Volpe, Gramsci, Sartre etc. Sem dúvidas, uma gama de autores que, entre si e mesmo com o fato de todos buscarem suas referências em Marx, possuíam as mais diversas divergências teóricas. No entanto, a expressão vem a ganhar sua importância por explicitar as convergências marcantes do contexto histórico em que estes filósofos produziram suas reflexões6. Mais que isso, ela vem a possibilitar uma demonstração de como, durante o decorrer da década de 1930 e até o período que se segue ao pós-Segunda Guerra, este contexto influencia profundamente na forma de produção de suas obras7.

A primeira característica identificável, entre todos estes pensadores é, justamente, seu interesse pela filosofia8. Como dito, esta configurava um tema alheio às formulações marxistas anteriores9. Se for feito um breve resgate histórico, o momento que antecede ao marxismo ocidental é marcado pela Primeira Guerra Mundial, pela Revolução Russa e encerrado pela primeira grande crise capitalista em 1929. Este contexto dará bases a uma produção bastante contornada pela necessidade de oferecer respostas imediatas ao mesmo por parte do movimento operário daqueles anos, adicionando-se a certeza, que regava as avaliações daquele momento, de que a derrocada final do capitalismo estaria próxima10.

A revolução bolchevique, no entanto, confirmou-se isolada pela derrota dos mais importantes levantes operários ao longo da Europa. Este contexto abriu margem para o surgimento e aprofundamento das atrocidades do stalinismo no território Russo, e que apresentou forte tendência a irradiar-se a outros países através do aparelho político da Internacional Comunista11. De outro lado, cresciam as sombras do nazismo e do fascismo como respostas à crise do capitalismo nos países afastados da influência soviética, em especial Alemanha, Itália, Espanha e Portugal12.

O contexto político da década de 1930 e daquelas que se seguem após a II Guerra demonstrava-se, portanto, extremamente hostil. Dentro dos Partidos Comunistas oficiais, ninguém que engrossasse suas fileiras poderia emitir opiniões próprias sem que fossem permitidas por suas cúpulas. Nos países em que o fascismo se ergue, a teoria marxista não encontrou terreno seguro para ser desenvolvida esbarrando no caráter radicalmente anti-comunista assumido pelos governos que lá se instauravam. Essa realidade será complementada pelo crescimento econômico acelerado do pós-guerra, que fez a realidade de uma derrota política do capitalismo aparentar ainda mais distante do que antes13.

Estes fatos irão, indubitavelmente, tracejar a rota intelectual dos nomes citados acima e, em especial, daqueles que vieram a compor a Escola de Frankfurt. As opções que se demonstravam a estes marxistas, em todo este contexto, eram a de uma filiação silenciosa aos Partidos Comunistas daquele momento, ou uma renúncia abnegada a estes aparelhos14. De qualquer maneira, o resultado da escolha seria de inevitável ostracismo. O fascismo, por outro lado, os persegue de forma implacável forçando o exilamento de muitos. O caso de Frankfurt torna-se limítrofe por seus principais expoentes serem, além de marxistas, de origem judaica em plena Alemanha hitlerista. As obras que chegam a ser publicadas em tal fronteira histórica, portanto, são frutos de “profundo isolamento político e desespero”15. A transição, então, de temas políticos de aplicação prática imediata na vida do movimento socialista à filosofia torna-se, assim, quase natural.

Com isso, da economia política, a discussão marxista se desloca para esferas superestruturais. O método científico e a ciência passam a ser, dessa maneira, preocupações a perpassar, direta ou indiretamente, toda a problemática a ser discutida pelo pensamento marxista desse momento16. A Escola de Frankfurt, nesse ponto, vem a se destacar por sua formulação acerca da chamada Teoria Crítica.

Em ensaio publicado em 1937, Teoria Crítica e Teoria Tradicional, Max Horkheimer busca delinear as fronteiras da proposta metodológica dos frankfurtianos. Para eles, tratava-se de contrapor, à teoria tradicional, baseada no cogito cartesiano17, o método dialético marxiano, o que se torna possível a partir de uma releitura do autor do Manifesto do Partido Comunista, a partir de suas influências hegelianas18.

Com essa postura metodológica, passa a ser programa da Escola de Frankfurt a crítica à ciência tradicional. Evidentemente, esta postura vem a chocar-se frontalmente com a teorização positivista, classificando-a como conservadora. Para os marxistas, o positivismo afasta, sob o véu da neutralidade científica, os reais nexos da ciência com as relações sociais estabelecidas, não entendendo o papel do pesquisador e do trabalho intelectual frente à divisão social do trabalho19.
Horkheimer retornaria, assim, à filosofia a preocupação com seu caráter ontológico20. Para o autor, à ciência e à filosofia moderna não bastariam, dessa forma, a emissão de juízos de fato e juízos de valor. Mais que isso, seria necessária uma investigação profunda das formas concretas de dominação. A tarefa da formulação teórica deve, de maneira intransigente, esclarecer a imprescindibilidade e as possibilidades de transformações sociais em busca da emancipação humana. Para tanto, os juízos existenciais tornavam-se fundamentais21. E, neste sentido, a função do intelectual crítico não seria outra se não a de fornecer bases teóricas para tais objetivos, desenvolvendo a reflexão marxista acerca dos temas fundamentais da sociedade capitalista, denunciando a desumanização à qual ela submete a todos.

A Escola de Frankfurt, a exemplo de seus intelectuais correlatos do marxismo ocidental, encontram fontes as mais distintas para fundamentar suas formulações filosóficas. Além do evidente resgate da filosofia hegeliana, que se queda visível no retorno ao estudo do método dialético22, podem-se citar como fontes identificáveis em suas obras em maior ou menor intensidade Schelling, Schiller e até mesmo Nietzsche23. Não é demais identificar, ainda outra vez, mais esta distinção entre esta formulação marxista ocidental, do marxismo clássico. Nunca antes, na história desta corrente de pensamento, a influência de pensadores não-marxistas havia sido tão valorizada24.

A influência da psicanálise freudiana foi ainda mais intensa do que a dos autores acima citados. Em especial quando leva-se em conta a obra de Hebert Marcuse, profundamente tributária dos conceitos de Eros e Tanatos, enquanto categorias necessárias à explicação da sociedade moderna25. Porém, por seu destacado papel na fundamentação das formulações frankfurtianas, e pelo caráter indispensável que o diálogo com sua obra acabou tomando para os principais nomes do Instituto de Pesquisa Social, Max Weber necessita de destacada referência.

Sua tese acerca da racionalização do mundo, em combinado com o desencantamento das éticas religiosas, acaba por dar margens ao desenvolvimento da critica à razão instrumental. Essa sua posição, no entanto, não modifica os juízos da Escola de Frankfurt que, ainda assim, por sua defesa de ideais científicos identificados ao positivismo, como a neutralidade do pesquisador, o classificam enquanto teórico conservador26.

A idéia de Weber de que, com o advento do capitalismo, surge também a necessidade de um comportamento racional por parte da política e da economia, que permitiria o planejamento, por parte do empresário, para seus negócios e auferimento de lucros, abre portas para um série de reflexões acerca da ciência e do pensamento do iluminismo27. Em A Dialética do Esclarecimento de 1947, Adorno e Horkheimer exploram exaustivamente este tema.

Os autores iniciam pela exposição do projeto do Iluminismo. Este projeto, estabelecido desde o cogito ergo sum de Descartes, torna-se explícito em Kant28. Para os iluministas, a emancipação dar-se-ia como um projeto racional, levado à frente pela atividade científica do homem, afastando, cada vez mais o mito enquanto explicação da realidade. Não por acaso, a primeira preocupação com o surgimento desta forma de pensar esteve ligada à questão das possibilidades do conhecimento e explicitação das formas de conhecer.

O Iluminismo surgido com Descartes e seu Discurso sobre o Método, lança as bases para o que seria definido mais tarde como a filosofia da consciência. Este paradigma, abandonando a ontologia medieval e antiga, passa a adotar como questão fundamental da filosofia o “o que posso conhecer?”29. A partir daí, o papel da reflexão filosófica passa a estar limitado e subordinado ao papel da prática científica30.

Desde Descartes, a matemática e a lógica formal são eleitas como a forma fundamental de conhecer a realidade31. Para os iluministas, essas categorias poderiam ser transpostas, inclusive, para as ciências humanas, servindo para explicar as conformações sociais32.

A Teoria Crítica vai voltar-se à discussão acerca do Iluminismo como forma de conhecimento absolutamente compromissada com os interesses da sociedade capitalista e de sua classe dominante33. Sob a ótica iluminista, a ciência é compartimentada ao desenvolvimento técnico, sendo a manipulação do objeto mais importante que a formulação do conhecimento acerca deste. Essa forma “ditatorial” de se relacionar com o objeto é o que vem a ser criticado pelos teóricos frankfurtianos34.

Abaixo da ótica do capitalismo, a dominação das propriedades do objeto passam a ser de capital importância para a atividade industrial. O avanço da acumulação de capital torna a ciência (reduzida à técnica) uma forma de, por um lado, fornecer o alimento teórico para a reprodução material das condições de vida sob o mercado. Por outro lado, a maneira manipulatória com a qual o objeto é submetido permite a utilização da ciência como forma, também, de legitimação das relações sociais sob a sociedade do capital35.

Depreende-se, portanto, que o projeto iluminista divide-se em dois momentos de racionalidade: a razão emancipatória, que impulsiona os homens para a superação das dificuldades naturais e a razão instrumental36. A razão instrumental é a mediação que dá bases a essa forma de conhecer manipulatória. Sua característica fundamental é permitir um agir voltado para determinados fins. Um agir que, enfim, espalhar-se-ia pela sociedade, traduzindo-se na desumanização das formas de vida existentes37.

Adorno e Horkheimer, valem-se da obra de Homero para uma explicação alegórica da trajetória do Iluminismo. No épico homérico, Ulisses inicia a busca pela emancipação em sua viagem para o resgate de Ítaca. Em determinada altura do trajeto o herói é obrigado a valer-se da razão para a enfrentar os perigos oferecidos pelo canto das sereias.

Nesse momento, Ulisses vale-se da razão instrumental, buscando submeter a natureza às suas necessidades. Adorno e Horkheimer descrevem sua atitude como um exemplar feito do agir direcionado a fins. O herói da Odisséia, encontrará duas soluções para escapar ao canto maldito. A primeira, prescreverá a seus companheiros, que deveriam encher seus ouvidos de cera afim de que não mais pudessem escutar. Dessa maneira, não deveriam parar de remar até que o perigo estivesse suficientemente distanciado.

A essa alternativa, os autores frankfurtianos identificam os efeitos da razão instrumental sobre a classe trabalhadora. Embrutecidos pelo trabalho alienado, os trabalhadores são compelidos a nada mais fazerem do que “olhar para frente e deixar de lado o que estiver de lado”38. Sua vida é reduzida, pela racionalidade capitalista, a mero acessório da máquina da produção. Seu desígnio íntimo é o de sustentarem, sem qualquer contestação ou demonstrações de humanidade, a forma de vida à qual estão submetidos, e “assim eles se tornam práticos”39.

A segunda alternativa de escape do canto das sereias, Ulisses aplica a si mesmo, “o senhor de terras que faz os outros trabalharem para si”40. Ele não tapa seus ouvidos, para saber quando o perigo já se encontra distante o bastante. Ao contrário, amarra-se ao mastro de seu navio, e ordena que, por mais que implore, não o retirem de lá.

Escuta e apaixona-se pelo canto, mas, como a burguesia futuramente fará, Ulisses recusa a felicidade. Os burgueses a recusam “com tanto maior obstinação quanto mais a tenham ao seu alcance, com o crescimento de seu poder”41. O fazem para garantir a manutenção da forma societal à qual estão dando a luz no fim o feudalismo. Seu desejo por felicidade e prazer será, desta forma, transformado em arte, dessacralizando-se as obras antes voltadas para a religião42 e neutralizada em objeto de pura contemplação43, docilizando e compatibilizando o desejo por outra vida com as relações sociais fundadas pelo capitalismo. Ulisses assume seu papel, como a burguesia o faz, enquanto os trabalhadores assumem o papel de garantir a reprodução de seu opressor e a sua própria44.

Para os autores, por fim, a epopéia “já contém a teoria correta”45. Enxergam nela os papéis assumidos pelo burguês, pelos trabalhadores e pela obra de arte, como fonte de escape das angústias trazidas pela sociedade instrumental e, portanto, legitimação das mesmas. Concomitantemente, encontram como causa de todas estas determinações o desejo de domínio voltado à natureza. A conseqüência final será um correlato domínio da natureza interna dos homens desembocando, indubitavelmente, na reificação de todas as relações humanas46.

Como não seria diferente, a Escola de Frankfurt passará a encarar de maneira repelente o conhecimento científico. Tentará, em seu próprio projeto de emancipação, devolver à filosofia seu caráter libertador como pólo de retorno à reflexão do real. É dessa forma que vem a se consubstanciar o objetivo da Teoria Crítica. Em última instância, resgatar do Iluminismo a sua dimensão emancipatória com o abandono do saber instrumental e a revalidação do conceito, daqueles juízos existenciais, como forma de conhecer47. Depositam, até esse momento, então, suas esperanças ainda na razão.

O desenvolvimento destas determinações presentes de início das reflexões frankfurtianas vai, no entanto, fazê-los encontrar-se com um outro aspecto que acaba por circundar o marxismo ocidental. Dessa vez, os filósofos alemães acabam esbarrando-se com o pessimismo em voga naqueles tempos e que acaba por impregnar também a intelligentsia socialista48.

O posterior trabalho filosófico destes autores, ainda mais marcado pelo contexto em que viviam, já acima referido, contornado pelo fascismo, stalinismo e, mesmo no exílio, pelo maccartismo em suas mais diversas formas, irá acentuar suas más impressões iniciais. A razão que havia permitido à humanidade desenvolver suas forças produtivas e aproximar os homens do reino da liberdade, satisfazendo suas necessidades sociais, era a mesma razão que, em contrapartida, havia permitido e proporcionado todos os meios de dominação social, violência e guerra entre os seres humanos. A Dialética do Esclarecimento parecia, por fim, mais do que denunciar a razão instrumental, decretar a falência do próprio projeto racional. Em sua trajetória a razão que combatia o conhecimento mítico “se transformara, no decorrer do percurso, ela própria em mito. Em vez de promover a emancipação, ela assume o controle técnico da natureza e dos homens. Negava assim sua dimensão crítica e emancipatória”49. Era, enfim, a “autodestruição da razão”50.

Os frankfurtianos passarão a propôr revisões à sua teoria crítica. As principais formulações estarão voltadas a área da estética, a qual identificaria, no campo da arte, espaços para a ação voltada para a emancipação51. Nesta campo, Adorno vem a tornar-se o principal nome. O parco engajamento político passa a ser ainda mais deixado de lado. A radicalidade da crítica ao capitalismo, no entanto, tende a não desaparecer, excetuando-se o último Horkheimer52. Marcuse, ao contrário, manterá ainda algum engajamento político que sempre viria a prestar contas ao seu arraigado pessimismo53. Quanto a Walter Benjamin, sequer teria feito qualquer destas opções, cometendo suicídio em 1943, sob as pressões da perseguição nazista54. São dele as palavras que resumem a trajetória da humanidade segundo a interpretação frankfurtiana:


A imagem que se faz do anjo da história é a seguinte: sua face está voltada para o passado. Onde percebemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma única catástrofe que não pára de despejar destroços diante de seus pés. O anjo gostaria de ficar, despertar os mortos, e recompor o que foi despedaçado. Mas uma tempestade sopra do Paraíso; ela atinge-lhe as asas com tal violência que o anjo não pode mais fechá-las. Esta tempestade o empurra irresistivelmente ao futuro para o qual suas costas estão voltadas, enquanto os destroços a seus pés se amontoam rumo ao céu. Esta tempestade é o que chamamos de progresso.55

Do The Evolution, Baby!!!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Durante a década de 1990 um gênero musical particular tornou-se uma febre juvenil. O Grunge tem Seattle, cidade do noroeste dos Estados Unidos, também famosa (pelo menos para os fãs de rock) por ser o berço do Jimi Hendrix, definida como seu centro gravitacional geográfico, por assim dizer. Isto se dá pelo grande número de bandas que partiram daí, e mesmo por entre elas estarem as pioneiras entre as que consiguiram levar o estilo para o grande público.

Entender o Grunge como um estilo musical, ou mesmo um movimento cultural traz dificuldades. A diversidade entre as bandas e músicas, a recusa de rótulos rígidos, e a própria existência fragmentada de seus atores (bandas como o Nirvana, por exemplo, se recusavam a aparecer junto de outras justamenta para não fomentar uma utilização comercial do selo Grunge) são motivos suficientes para demonstrar isto. No entanto, é possível encontrar alguns traços que delineam uma certa unicidade. Em geral, músicas com uma "parede sonora" bastante suja (abusando de guitarras distorcidas, por exemplo), vocais nervosos alternando entre gritos e sussurros, e um pessimismo visível e sarcasmo geral como temas principais das letras.

O estilo não é espetacular. Mas, de qualquer forma, o recuo da febre dos anos 1990, que quase sufocou seus elementos mais interessantes, quase vinte anos depois de seu surgimento permitem que seja apreciado de uma forma mais sincera. O fenômeno comercial que bandas como Nirvana, Pearl Jam, SoundGarden etc., atingiram acabaram criando inúmeros sub-produtos que, de uma forma global, prejudicaram a trajetória do gênero.

De qualquer forma, parece que o Grunge, a exemplo do que foi o Punk em sua própria época, acabou por se tornar uma representação de uma situação coletiva vivida pela juventude que o acompanhou. Enquanto o movimento Punk teve, como seio, os filhos da classe operária inglesa da década de 1970, testemunhas de uma crise econômica mundial e de uma malfadada tentativa de governo de esquerda na Inglaterra e, por isto, alcançou as mais diversas expressões (do niilismo, ao extremismo de esquerda ou de direita em suas letras e bandas, no que diz respeito à música), o Grunge casou mais com uma juventude norte-americana desiludida e, provavelmente, sensível a uma sociedade baseada na incansável competição por um lugar ao sol.

A postura conflituosa que as bandas do gênero tiveram com o mercado durante o seu percurso pode ser um bom exemplo. Embora não se possa dizer que eram declaradamente anti-comerciais, atitudes como a recusa de seguir desígnios das grandes gravadoras tornando o estilo mais pop, ou de brigas com grandes distribuidoras de ingressos no território americano, ativismo em organizações ecologistas, engajamento em causas pacifistas etc., marcam posturas de vários destes grupos. Isto causado ao niilismo e a uma repulsa mais por instinto, do que consequente, de certos valores da sociedade capitalista ocidental, como padrões de beleza difundidos pela cultura de massas, consumismo etc.

Nada de grande, no entanto. Nada que permita dizer que o movimento refletiu uma postura consequente contra uma sociedade à qual repudiava. O que não despreza elementos de lucidez ao longo do caminho.

Um destes é Do The Evolution (Faça a Evolução). Música de 1998, do disco Yeld do Pearl Jam. De qualquer maneira, pode-se, inclusive, dizer que a música já vem de uma fase "menos Grunge" do grupo, segundo seus próprios fãs. Mas a canção não se coloca de todo fora do estilo. Ritmo agitado, vocais gritados e som sujo marcam-na claramente. O interesse que ela levanta, contudo, é a forma como ela resgata valores que ficaram incrustrados em uma, digamos, "cultura rebelde ocidental" que encontra prováveis raízes nas décadas do pós-guerra.

Do The Evolution narra a paradoxal aventura humana de progresso histórico-tecnológico que, no fim das contas, confunde-se com uma aprofundamento cada vez maior da desumanidade dos próprios seres humanos. Uma evolução em caminho contrário, já que os valores econômicos acabariam valendo mais do que as necessidades dos próprios homens. O curioso é que isto a aproxima bastante da tese primordial da Escola de Frankfurt, capitaneada por Adorno e Horkheimer, da razão instrumental.

A razão instrumental seria aquela que teria permitido aos homens desenvolver os modernos meios produtivos. Mas, ao mesmo tempo, esta razão voltada para o atingimento de fins teria levado a humanidade ao estágio de desigualdade e barbárie atual. Durante a música do Pearl Jam frases como "sou o primeiro mamífero a fazer planos" ou "é a evolução, baby!", marcam bastante esta semelhança. A frase "todas as colinas rolantes eu as aplainarei", guarda uma relação muito estreita com o que os frankfurtianos achavam que era a forma como a ciência via a natureza, algo externo a ser controlado em nome do progresso. O vídeo clipe produzido pela banda (em geral uma forma mercantil de propagandear a música, mas em alguns casos específicos bastante interessante) sequências de cenas também demonstram isto. Nele, a imagem da garota branca de cabelos pretos parece representar, fielmente, a razão instrumental iluminista.

Segundo Adorno e Horkheimer, o Iluminismo, que tinha como projeto emancipar a humanidade através do esclarecimento permitido pela razão, do afastamento do mito, acaba, ele mesmo, transformando-a em um novo mito. A forma como a ciência se comporta na sociedade moderna, "substituindo o xamã", e perpetuando de forma a-crítica e a-histórica suas conclusões, é o resultado disto. No clipe da banda de Seattle, uma cena rápida, em particular, me parece representar bem isto. É o momento em que um grupo de homens "civilizados" dançam de forma ritualística em torno de uma lata de lixo em chamas.

É difícil acreditar que os integrantes do Pearl Jam tenham alguma leitura profunda sobre a Escola de Frankfurt ou mesmo que tenham escrito a canção fazendo uma referência proposital à obra dos filósofos alemães. Seria mais aceitável achar que a banda apenas sintetizou uma impressão que, iniciada em círculos acadêmicos específicos, acabou ganhando as ruas através de movimentos sociais (no caso dos frankfurtianos, o movimento estudantil de 1968 é o maior exemplo), e, assim, chegando à consciência popular de uma forma mais ou menos sedimentada.

Nada disto significa rebaixar os méritos da obra, que se identifica com um daqueles bons momentos a serem garimpados no rock americano. Acho mesmo que os artistas não são necessarimente intelectuais, mas muito mais pessoas com cerca sensibilidade capaz de, justamente, sintetizar expressões particulares em uma determinada forma. Isto parece explicar melhor boas músicas de artistas, em geral, complicados como Raul Seixas, Cazuza, Beatles etc. Claro que isto também não impede de existirem artistas muito mais lúcidos e consequentes.

No que diz respeito, especificamente, ao Pearl Jam aqui, resta o seguinte: das atitudes mais politizadas do Grunge, a banda esteve entre os principais protragonistas. Sua aproximação a artistas como Neil Young, por exemplo, também famoso por letras que abalam o american proud, marcaram posturas como estas. Não são grandes artistas, é verdade, mas há certos aspectos interessantes, que podem ser explorados. Quanto à sua semelhança com Frankfurt: a descrença no futuro, o pessimismo e a apatia, no que diz respeito a uma mudança radical da realidade, selam a aproximação.

Do The Evolution

Woo../ Im ahead, Im a man/ Im the first mammal to wear pants, yeah/ Im at peace with my lust/ I can kill cause in God I trust, yeah/ Its evolution, baby/ Im at piece, Im the man/ Buying stocks on the day of the crash/ On the loose, Im a truck/ All the rolling hills, Ill flatten em out, yeah/ Its herd behavior, uh huh/ Its evolution, baby/ Admire me, admire my home/ Admire my song, heres my coat/ Yeah, yeah, yeah, yeah/ This land is mine, this land is free/ Ill do what I want but irresponsibly/ Its evolution, baby/ Im a thief, Im a liar/ Theres my church, I sing in the choir:/ (hallelujah hallelujah)/ Admire me, admire my home/ Admire my song, admire my clothes/ cause we know, appetite for a nightly feast/ Those ignorant indians got nothin on me/ Nothin, why? / Because, its evolution, baby!/ I am ahead, I am advanced/ I am the first mammal to make plans, yeah/ I crawled the earth, but now Im higher/ Twenty-ten, watch it go to fire/ Its evolution, baby (2x)/ Do the evolution/ Come on, come on, come on

Faça a Evolução

Eu estou à frente, eu sou um homem/ Eu sou o primeiro mamífero a vestir calças, yeah/ Eu estou em paz com minha luxúria / Eu posso matar porque em Deus eu confio, yeah/ isto é evolução, baby/ Eu sou uma besta, eu sou o homem/ Tinha ações no dia em que a Bolsa quebrou, yeah/ Livre, eu sou um caminhão/ Todas as colinas rolantes eu as aplainarei, yeah/ É um comportamento em rebanho/ Uh-huh, isto é evolução, baby, /Me admire, admire minha casa/ Admire meu filho, ele é meu clone/ Yeah, yeah/ Esta terra é minha, esta terra é livre/ Eu farei o que quiser embora irresponsavelmente/ isto é evolução, baby,/ Eu sou um ladrão, eu sou um mentiroso/ Aqui é minha igreja, eu canto no coro (interlúdio do coro: Aleluia)/ Me admire, admire minha casa/ Admire minha canção, admire minhas roupas/ Pois nós conhecemos o apetite para um banquete noturno, / A esses índios ignorantes não devo nada,/ Nada, Por quê? /
Porque: isto é evolução, baby!/ Eu estou à frente, eu sou desenvolvido/ Eu sou o primeiro mamífero a fazer planos/ Eu rastejei na terra, agora voo pelos céus/ 2010, veja pegando fogo!/ isto é evolução, baby {2x}/ Faça a evolução/ Vamos, vamos, vamos...


O canto das sereias e o capitalismo

sábado, 8 de agosto de 2009


Trecho de ensaio de Adorno e Horkheimer (Conceito de Iluminismo), publicado em sua A Dialética do Esclarecimento. Na passagem utilizam-se da obra homérica para explicar de forma alegórica a dominação da razão instrumental sobre a sociedade humana. Interessante o significado conferido ao canto das sereias. Enfim, vai logo abaixo. Em breve devo estar postando as primeiras páginas do TCC que tratam justamente desta questão.

Num relato homérico é preservado o entrelaçamento entre mito, dominação e trabalho. O décimo-segundo canto da Odisséia narra a passagem diante de sereias. O chamariz era a tentação de perder-se no passado. Mas o herói que é submetido à tentação chegou à maioridade no sofrimento. Na variedade dos perigos mortais, nos quais ele se devia manter firme, a unidade de sua própria vida, a identidade de pessoa endureceu-se. Como água, terra e ar separam-se para ele os reinos do tempo. Para ele, a maré do que era refluiu da roca do presente e o futuro nublado carrega o horizonte. O que Ulisses deixou atrás de si entrou no mundo das sombras; o si-mesmo está ainda tão perto do mito do ante-tempo, de cujo seio se separou penosamente, que seu próprio passado vivido se converte para ele no ante-tempo mítico. Pela ordem firme do tempo ele procura um paliativo para isso. O esquema tripartido deve libertar o momento presente do poder do passado, expulsando este último para trás do limite absoluto do irrestituível e pondo-o à disposição do agora a título de saber praticável. O afã de salvar o passado enquanto vivo, em vez de usá-lo como material do progresso, só é apaziguado na arte, à qual a própria história pertence enquanto exposição da vida passada. Enquanto renuncia a valer como conhecimento, fechando-se assim para a práxis, a arte é tolerada, assim como o prazer, perla práxis social. Mas o canto das sereias ainda não foi privado da sua força, ainda não foi reduzido a arte. Elas sabem de "tudo quanto se passa na terra fecunda", sobretudo aquilo que o próprio Ulisses participou, "tudo quanto os argivos e troianos sofreram na arrasada Tróia pela vontade dos deuses".

Evocando diretamente o passado mais recente, elas ameaçam, com a irresistível promessa de prazer percebida no seu canto, a ordem patriarcal que só devolve a vida de cada um contra sua plena medida de tempo. Quem vai atrás das artimanhas das sereias cai na perdição, desde que só a permanente presença de espírito arranca a existência da natureza. Se as sereias sabem de tudo o que se passou, elas exigem o futuro como preço disso e a promissão do feliz retorno é o engano pelo qual o passado captura o saudoso. Ulisses foi prevenido por Circe, divindade que transforma os homens em animais; ele lhe soube resistir e, em compensação, ela lhe deu a força de resistir a outros poderes de dissolução. Mas a sedução das sereias é assim mesmo forte demais. Ninguém que ouça o seu canto pode escapar-lhe. A humanidade teve que infligir-se terríveis violências até ser produzido o si-mesmo, o caráter do homem idêntico, viril, dirigido para fins, e algo disso se repete ainda em cada infância. O esforço para manter firme o eu pretende-se ao eu em todos os seus estágios e a tentação de perdê-lo sempre veio de par com a cega decisão de conservá-lo. A embriaguez narcótica que faz expiar, com um sono semelhante à morte, a euforia que suspende o si-mesmo, é uma das mais antigas instituições sociais que fazem a mediação entre autoconservação e auto-aniquilamento, uma tentativa do si-mesmo de sobreviver a si próprio. A angústia de perder o si-mesmo e de suprimir com ele a fronteira entre si próprio e a outra vida, o pavor perante morte e destruição, irmana-se com uma promessa de felicidade que ameaçava a civilização a cada momento. Seu caminho era o da obediência e do trabalho, sobre o qual a satisfação reluzia permanentemente como mera aparência, como beleza esvaziada de força. Inimigo tanto da própria morte como da própria felicidade, o pensamento de Ulisses sabe disso. Ele conhece apenas duas saídas possíveis. Uma ele prescreve a seus companheiros. Ele lhes tapa as orelhas com cera e manda-os remar com todas as forças que têm. Quem quiser subsistir não deverá dar ouvidos à tentação do irrestituível e isso só poderá ser evitado caso não lhe for possível escutá-la. Disso a sociedade sempre cuidou. Viçosos e concentrados, os trabalhadores devem olhar para frente deixar de lado o que estiver de lado. Eles devem sublimar o impulso que os pressiona ao desvio, aferrando-se ao esforço suplementar. Assim eles se tornam práticos. - A outra saída é a que é escolhida pelo próprio Ulisses, o senhor de terras, que faz os outros trabalharem para si. Ele escuta, porém privado de forças, atado ao mastro e, quanto maior se torna a tentação, mais fortemente ele se faz acorrentar, da mesma maneira que, em épocas posteriores, os burgueses recusarão a felicidade para si mesmos, com tanto maior obstinação quanto mais a tenham ao seu alcance, com o crescimento do seu poder. O escutado não tem consequências para ele, que pode apenas acenar com a cabeça para que o soltem porém tarde demais: os companheiros, que não podem escutar sabem apenas do perigo do canto, não da sua beleza, e deixam-no atado ao mastro para salvar a ele a si próprios. Eles reproduzem a vida do opressor ao mesmo tempo que a sua própria vida e ele não pode mais fugir a seu papel social. Os vínculos pelos quais ele é irrevogavelmente acorrentado à práxis ao mesmo tempo guardam as sereias à distância da práxis: sua tentação é neutralizada em puro objeto de contemplação, em arte. O acorrentado assiste a um concerto escutando imóvel, como fará depois o público de um concerto, e seu grito apaixonado pela libertação perde-se num aplauso. Assim o prazer artístico e o trabalho manual se separam na despedida do ante-mundo. A epopéia já contém a teoria correta. Os bens culturais estão em exata correlação com o trabalho comandado e os dois se fundamentam na inelutável coação à dominação social sobre a natureza.


Notas sobre Habermas, a razão comunicativa e a tensão entre universalidade e particularidade

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Jürgen Habermas é considerado um dos maiores filósofos vivos da atualidade. Sua produção literária aborda os mais diversos temas, o que contribui para tornar seu pensamento de difícil penetração e compreensão. Uma de suas características derivadas daí, e que contribuiu para que seu vulto assumisse proporções tão grandes, é o fato de que, ao contrário da grande maioria de teóricos atuais, Habermas submeter suas reflexões a um projeto filosófico claro e amplo, com objetivos de intervenção direta na realidade a partir de um agir racional.

Sua trajetória passa por uma formação ligada às reflexões do primeiro círculo de pensadores da chamada Escola de Frankfurt. Povoada por nomes como Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, esta corrente filosófica teve como traço característico a busca da construção de uma chamada Teoria Crítica, que teria como objetivo a reflexão transformadora acerca do papel das ciências e dos sujeitos históricos, se pudermos colocar as coisas de uma maneira bastante superficial. O próprio Habermas chegou a declarar que, em sua juventude, as obras que mais o influenciaram foram Dialética do Esclarecimento, escrita em comunhão pelos dois primeiros nomes citados da lista acima, e História e Consciência de Classe, do húngaro Györg Lukács. Como se pode ver, portanto, tanto a primeira geração da Escola de Frankfurt, quanto o seu discípulo mais proeminente, têm uma forte ligação com a filosofia marxista, contornada por seu resgate hegeliano do início do século XX. Some-se a isto a influência (mais nociva do que benéfica) de Max Weber (e, em medida mais amena, Freud) no pensamento de todos estes autores e uma recusa (esta sim, indubitavelmente benéfica) cada vez mais determinada às atrocidades do "comunismo" stalinista do leste europeu, e teremos o ambiente teórico em que se desenvolveu o pensamento marxista crítico das décadas que foram do pré ao pós-guerra (deixando um pouco de lado a vertente trotskista, claro).

O desenvolvimento posterior de Habermas, no entanto, vai levá-lo a um afastamento cada vez mais sistemático desta postura. Tendo se tornado o maior nome daquela que ficou conhecida como a segunda geração da Escola de Frankfurt, o autor se afasta da concepção de Teoria Crítica desta, para reavivá-la em uma nova, fundada dentro de marcos teóricos que ele mesmo vem a estabelecer. Os principais motivos desta ruptura vão se dar em relação à "fundamentação normativa" da "antiga" Teoia Crítica, ou seja, seus fundamentos, sua racionalidade, por assim dizer. Além disto, seu "conceito de verdade e seu relacionamento com a ciência", a quem a Teoria Crítica delineava limites, que não serão abordados agora. E sua "subestimação das tradições democráticas e constitucionais de um Estado legal", não simplesmente herdada do marxismo, mas, sem dúvidas, re-construída a partir de um postura metodológica que vinha a partir dele.

É com base nestas críticas, apenas esboçadas acima, que Habermas assume a tarefa de reconstruir um paradigma de racionalidade que supera aquele em que foi fundada a Teoria Crítica de Frankfurt. Daí virá o fundamento de sua chamada virada, ou guinada, linguística.

Um outro paradigma de racionalidade

Como dito, no início de sua trajetória intelectual Habermas filia-se ao pensamento crítico de Frankfurt. Com isto, suas reflexões filosóficas estarão profundamente atreladas a um método de conhecimento fundado em Hegel e revolucionado por Marx.

A dialética, forma de conhecer trazida pelo pensamento hegeliano, é reconstruída pela filosofia marxiana a partir de uma migração da perspectiva idealista, para uma materialista-histórica. Marx tomou para si a tarefa de traduzir a formulação de Hegel para um formato adequado ao estudo da sociedade humana enquanto entidade historicamente fundada, e do homem enquanto ser social tão histórico quanto. A perspectiva hegeliana supera a epistemologia kantiana retomando uma perspectiva ontológica de estudo da realidade, negando a relação entre sujeito e objeto que é posta por Kant. Marx, no entanto, supera Hegel quando traz, a seu método, as determinações verdadeiramente ontológicas do homem, percebendo a dinâmica real entre idéia e matéria. Isto, com certeza é tema para outro texto.

Logo, o método trazido por Marx e, em partes, resgatado pelos pensadores de Frankfurt e, paralelamente, por Lukács em seu ensaio O que é Marxismo Ortodóxo?, vai demonstrar-se como um contraponto fundamental para o pensamento positivista que imperava (e em termos distintos, ainda impera) nas Ciências Sociais. Marx vem a dar mostras em O Capital da utilização deste método para fazer ciência, desta vez aplicado à Economia Política, claro. A dialética vai permitir perceber as determinações históricas, e não simplesmente naturais, da sociedade humana. Ou seja, naquilo em que o positivismo, enquanto ideologia oficial da comunidade científica da classe burguesa, buscava leis sociais universais, tornando a-históricas e, por isto, eternas as características da sociedade dominada por ela, a dialética vinha a encontrar as reais determinações da dinâmica dos processos em curso. Assim, por exemplo, mitos Iluministas e positivistas como uma natureza humana não histórica, a impossibilidade de uma sociedade sem Estado, a racionalidade de uma sociedade baseada na exploração do trabalho assalariado, a neutralidade da ciência caem por terra.

Este é o primeiro intinerário seguido por Habermas em ensaios como Teoria Analítica e Dialética e Entre Ciência e Filosofia: O Marxismo como Crítica. No entanto, já em Conhecimento e Interesse, texto tardio desta fase, é possível notar uma diferença crucial entre Habermas e Marx. Para o último, a humanidade encontra seu ato fundante, a característica que a faz superar seu estado meramente natural, na atividade do trabalho. Através da transformação da natureza orientada conscientemente para a satisfação das necessidades humanas, os homens constróem a si próprios e à sociedade historicizada. Para Habermas, distintamente, já neste texto é possível detectar sua postura alinhada ao pensamento que punha a linguagem como centro do agir humano, como aquilo que o distingue da natureza. Isto terá um peso fundamental em seu desenvolvimento intelectual posterior.

Isto levanta a hipótese (que terei de aprofundar em um futuro próximo!), de que Habermas não possuia plena compreensão da forma de conhecer de Marx. O pensamento do autor d'O Capital, é profundamente fundamentado em bases históricas que percebem no ato do trabalho o fundante da sociedade humana. Isto significa dizer: Marx escolheu uma perspectiva ontológica de conhecimento, ou seja, para ele o ser deve ser estudado, e, enquanto objeto de estudo, pode e deve ser conhecido. A ontologia poderia ser traduzida vulgarmente como o estudo das coisas como elas são. Esta postura marxiana é relevante por que ela, herdada de Hegel, punha-se na contramão da perspectiva gnosiológica reinante no pensamento científico e filosófico de sua época.

Desde Descartes, o pensamento é submetido a uma outra forma de reflexão. Enquanto a pergunta filosófica da ontologia é "o que é?", para a gnosiologia, a pergunta passa a ser "o que posso conhecer?". O Discurso do Método, de Descartes inicia esta reflexão, que vai culminar em Kant, com suas conhecidas categorias apriorísticas de conhecimento, bem como com os seus abismos gnosiológicos. Ou seja, para esta forma de pensar existem determinações do objeto de estudo que o sujeito que estuda não pode conhecer. Sua fundamentação, contudo, é profundamente baseada na preponderância do sujeito frente ao objeto. Significa dizer: aquele que estuda é quem deve determinar o método de estudo do objeto. Para a perspectiva ontológica, a relação é inversa: o objeto é que pode demonstrar ao pesquisador de que maneira pode ser conhecido, portanto o método de estudo deve atender às suas demandas.

Este tema pode ser (e o é há quatro séculos) centro de uma discussão bastante profunda que não será realizada aqui. O que é importante trazer daí, para este texto, é a reflexão construída pela Escola de Frankfurt sobre isto. A produção da Teoria Crítica vai ser voltada a uma negação do que chamou-se de razão instrumental, fundada a partir de Descartes. A razão instrumental, segundo os autores frankfurtianos, caracteriza-se por submeter o conhecimento a critérios de obtenção de determinados fins. Ela teria, então, seu critério de verdade posto no plano da ação, e não no do conhecer. Seu objetivo seria o controle teórico e prático sobre determinado objeto. Este controle e esta forma de conhecer, que seria baseada na indissolubilidade entre conhecimento e ação permitiu aos homens o domínio da natureza para atendimento às suas necessidades. Mas permitiu também o domínio social de homens sobre outros, dando origens à reificação.

Habermas extrai estas conclusões de sua leitura de A Dialética do Esclarecimento e, com isto, concretiza sua primeira crítica à Teoria Crítica. Esta demonstra como uma forma de racionalidade levou a humanidade à barbárie atual posta pelo capitalismo. No entanto, a própria Teoria Crítica seria fundada dentro do âmbito da mesma gnosiologia (que Habermas denomina filosofia da consciência). Em conclusão, a Teoria Crítica estaria pondo em xeque sua própria fundamentação. Seu próprio modus operandi.

É a partir daí que me parece ganhar corpo a hipótese de que Habermas (e, possivelmente, a própria tradição da Escola de Frankfurt) não compreendia o marco filosófico de Marx. A forma como nega a perspectiva filosófica que o precede deixa aparente que, em seu exercício de fundação de uma "nova racionalidade", o autor frankfurtiano nega, em um só lance, todos os seus precedentes preservando o que considere como seus acertos. Sob o rótulo de razão instrumental parece caber, desta maneira, tanto o conhecimento gnosiológico, baseado na regência do sujeito sobre o objeto, quanto o pensamento ontológico, fundamentado em uma inversão que permite o sujeito chegar à coisa em-si. Esta hipótese é ainda mais plausível se for levado em conta que o próprio Lukács, no momento de produção da primeira geração de Frankfurt, ainda encontrava-se distante de sua Ontologia do Ser Social, obra que procura resgatar as bases ontológicas em Marx.

A influência de Adorno e Horkheimer em Habermas teria levado-o ao equívoco de identificar Hegel e Marx à mesma tradição que seguia de Descartes a Kant, no que ele chama de filosofia da consciência, baseada na razão instrumental. Isto também explica sua opção pela linguagem como centro da atividade humana desde sua imaturidade filosófica em Conhecimento e Interesse, enquanto o próprio Marx definia, em O Capital, n'A Ideologia Alemã e outras obras, o trabalho como ato fundante da sociedade humana, bem como do ser humano.

A conclusão, em Habermas, deste processo é a necessidade da fundação de uma outra forma de racionalidade. Que, por sua vez, dará margens a um outro critério de verdade. Esta forma de razão deveria suprir a lacuna que a Teoria Crítica havia deixado, resgatando e reavivando seus objetivos: servir de forma de pensamento capaz de dirigir a humanidade à superação da reificação (neste ponto mais identificada à racionalização da sociedade nos termos de Max Weber). Para tanto, ela precisaria ser fundamentada na dimensão humana capaz de realizar este objetivo. Para Habermas, esta dimensão é a linguagem.

Para o autor da segunda geração frankfurtiana, a existência da linguagem vem a demonstrar uma característica intrínseca à raça humana que é a propensão ao entendimento. Não faria sentido existir linguagem caso os sujeitos que a utilizam não pudessem partir de compreensões comuns para chegar a novas. Assim, a partir daí é que seria possível refletir a possibilidade de que a humanidade viesse a superar seu estado de reificação.

A razão fundada a partir daí é, então, a razão comunicativa. Ela se alia à filosofia da linguagem (para Habermas, um estamento superior à filosofia da consciência na história das idéias), da qual a questão filosófica fundamental seria "o que posso compreender?". No entanto, dentro deste espectro, Habermas procura se diferenciar da filosofia analítica que identifica razão apenas nas sentenças construídas a partir da de sua correta formulação gramatical e semântica. Assim, a sentença seria racional ao expressar algo passível de receber valoração de verdade, que poder-se-ia verificar empiricamente e caso o expressasse de maneira formalmente adequada, para expressar-se. Não negando por completo esta postura, o filósofo de Frankfurt agrega-lhe um outro elemento: a comunicação. Para ele existiria a regra formal da geração de expressões, que daria origem à sentença, e a regra que permitiria empregar estas sentenças em um processo de comunicação, que daria origem ao proferimento.

Neste sentido, a relação entre razão e verdade não está mais posta apenas entre linguagem e mundo, como na filosofia da linguagem analítica. Mas entre os sujeitos que se utilizam da linguagem para se referirem ao mundo. Com isto, em sua Teoria do Agir Comunicativo, Habermas pretende a fundação de uma nova racionalidade e, consequentemente, de um novo conceito de verdade. Uma verdade consensual.

Esta postura é de grande importância em sua obra pois, a partir dela, o autor advogará a possibilidade de se buscar a verdade não apenas em questões teóricas (como nas ciências) mas também em questões práticas (moral, ética, direito etc.) e estéticas (arte). A verdade, no entanto, será reformulada, para encaixar-se em um modelo falibilista. A partir de então, a verdade é submetida a um constante processo de discussão e re-discussão, servindo muito mais como uma idéia reguladora, do que como uma fundamentação em si. É neste sentido que Habermas enquadra a si próprio, ainda, dentro dos marcos de uma postura cognitivista, onde os sujeitos são capazes de conhecer a verdade. Sua verdade, porém, é bem mais tímida do que aquela trazida pelas tradições filosóficas que o precedem.

A verdade terá, então, um caráter procedimental. Ela deve ser atingida pelos sujeitos de um discurso, a partir de uma argumentação que ponha as pretensões de validade (verdade para questões teóricas, correição para questões normativas e autenticidade ou veracidade para questões estéticas) de cada sujeito participante em prova. O melhor argumento seria a única força capaz de levar estes sujeitos à verdade, podendo fundamentar racionalmente o consenso entre eles. Valeria como verdade, não qualquer consenso, mas somente os consensos fundamentados em que seriam apresentados fundamentos e razões passíveis de serem aceitos por qualquer pessoa.

Então, o debate em que são postos os discursos deve estar submetido a regras que o livrem de qualquer forma de coação externas ou internas a ele. Daí a diferença entre discurso e fala. A fala é, em Habermas, uma forma de comunicação na qual não estão estabelecidos os pressupostos fundamentais para o proferimento de discursos - não há a completa ausência de coações internas e externas e a simetria de posições entre proponentes e oponentes do debate. Estas regras é que darão bases ao desenvolvimento posterior de sua ética do discurso. Em geral, podem ser resumidas no seguinte: o que se deve debater são as condições em que um ato de fala pode ser proferido para que sejam analisadas e negadas ou aceitas suas pretensões de validade por qualquer pessoa; logo, é necessário o cumprimento de regras de debate que permitam a produção do consenso, que seriam a "igualdade de chances por parte dos sujeitos envolvidos na discussão para colocarem seus assentimentos ou recusas em relação à pretensão de validez da asserção, e exclusão de todos os interesses e coações que pudessem restringir essa participação", nas palavras de Lucia Aragão em Habermas: filósofo e sociólogo de nosso tempo.

Habermas entre a universalidade e a particularidade

No último ponto desta exposição breve é importante uma discussão superficial acerca de uma outra questão importante no que diz respeito ao conceito de verdade e à ética do discurso de Habermas. Como se pode ver, para o autor a verdade perde sua característica de representar uma formulação teórica que reproduza a coisa no mundo para, ao invés disso, tornar-se uma forma procedimental de verdade, algo que poderia ser um consenso, ou seja, um acordo entre sujeitos participantes de um determinado discurso.

Não bastaria qualquer consenso, mas teria de ser fundamentado em argumentos racionais que pudessem ter sua validade aceitas por qualquer pessoa. Desta forma, a categoria do consenso levará a uma característica universal da verdade atingida a partir dele. O conceito falibilista de verdade em Habermas permite que os consensos que se demonstrem errôneos sejam revistos futuramente, o que, em termos gerais, é o que aparenta ser o próprio desenvolver histórico na obra deste autor. Aquilo que era verdade épocas atrás pode, hoje, demonstrar-se enquanto falso. Tudo depende dos consensos universais aos quais chegam os sujeitos.

Assim, é possível ver duas contradições dentro da formulação habermasiana. A primeira delas, diz respeito às regras de sua ética do discurso admitida pelo próprio filósofo. Ora, se a fundamentação da verdade advém a partir de discursos proferidos entre proponentes e oponentes que chegam a um consenso dentro de determinadas regras de argumentação, essas próprias regras devem ser anteriores aos discursos. Logo, elas não podem ser objeto de um consenso fundamentado. Esta contradição não me parece bem resolvida na obra de Habermas e, além disso, demonstra uma outra questão: as regras de sua ética do discurso são, como ele mesmo caracteriza, a descrição de uma situação ideal de fala, que não necessariamente se concretizam atualmente. Se esta situação ideal de fala não se concretiza universalmente, logo a verdade, que só pode ser atingida universalmente, não chega a se concretizar nunca. Isto fará com que o autor da Teoria do Agir Comunicativo venha, diversas vezes, a relativizar as regras de sua ética, possibilitando o atingimento da verdade. Tanto a verdade, quanto a situação ideal de fala são, portanto, idéias reguladoras em Habermas.

Isto parece levar a uma segunda hipótese que julgo importante: Habermas possui uma dificuldade fundamental em tratar da categoria da particularidade. Seu projeto ético-prático é o de fundação de uma ética do discurso que se pretenda uma ética universal. É evidente que as regras em que ela se baseia poderiam, idealmente, ser seguidas por qualquer pessoa. O que não fica evidente, no entanto, é a propensão de todas as pessoas em segui-las.

É relevante demonstrar a distinção da ética do discurso em relação aos projetos éticos que a precederam. Seu objetivo, diferentemente das anteriores, é o de ser uma ética justificadora, e não geradora. A ética do discurso visa ser um conjunto normativo capaz de discutir a validade das normas (inclusive jurídicas) que regem as relações humanas. Assim, diferencia-se, por exemplo, do imperativo categórico kantiano, que visava ser uma regra de conduta em si. No entanto, assemelha-se ao projeto ético de Kant quando busca uma ética universal.

Em suas polêmicas com o americano Richard Rorty, Habermas parece demonstrar a vulnerabilidade que tem em responder a críticas que põem em jogo a questão da particularidade. Antes de tudo, é necessário uma ressalva. Rorty, a partir de sua perspectiva contextualista, não é capaz de pôr em movimento, ele mesmo, todas as determinações que o conceito de particularidade, de origem hegeliana, carrega em si. No entanto, suas posturas anti-universalistas (por assim dizer) tornam-se importantes neste ponto pois envolveram-se em polêmicas diretas com Habermas. Portanto, me parece que a análise destas discussões podem ensejar uma investigação mais profunda sobre a fraqueza da ética do discurso em tratar da questão da particularidade.

O contextualismo de Rorty consubstancia-se, basicamente, na divisão entre discursos comensuráveis, que seriam passíveis de chegar a um consenso, e discursos incomensuráveis, que não o permitiram. Os discursos comensuráveis encontrariam, para Rorty, seu solo no saber científico, por exemplo, onde os participantes poderiam debater a partir de um critério de verdade passível de verificação. Em outros âmbitos, no entanto, como, para ele, na filosofia, os discursos atingiriam níveis incomensuráveis. Neste sentido, não seria possível chegar à verdade neste debates, no máximo chegar-se-iam a "desacordos interessantes e fecundos", que seriam considerados como edificantes.

Nossa preocupação não deve estar na fundamentação de Rorty, por enquanto, mas nas respostas de Habermas. O filósofo americano indica que os argumentos são sempre contextuais, logo partem de situações particulares. Em discursos incomensuráveis não há como se definir o melhor argumento acerca de determinada questão, posto que não há acordo, consenso, sobre esta questão. Se o melhor argumento não pode ser definido e o consenso fundamentado não pode ser atingido, a verdade não pode ser universal. Rorty vale-se de um conceito contextual de verdade, portanto. Aquilo que pode ser considerado como verdade em determinado contexto, será relativizado em um outro. Julgar os argumentos concorrenciais seria, então, dar um salto para fora da história, pois a prática social que define o melhor argumento modifica de tempos em tempos, e continuará se modificando no futuro. Em resumo, a própria validade dos argumentos é meramente contextual.

Em seu Pensamento Pós-Metafísico, Habermas responde:

"Estes pressupostos gerais do agir comunicativo não sugerem, de forma alguma, o sofisma objetivista de acordo com o qual nós poderíamos assumir o ponto de vista extramundano de um sujeito situado além do mundo e sevir-nos da linguagem ideal, no singular, livre de contexto a fim de construir sentenças infalíveis e completas (...) que paralisariam a história efetiva. (...) A partir da possibilidade de entendimento através da linguagem, podemos chegar à conclusão de que existe um conceito de razão situada, que levanta sua voz através de pretensões de validez que são, ao mesmo tempo, contextuais e transcendentes: (...) a pretensão é levantada sempre aqui e agora, em determinados contextos, sendo aceita ou rejeitada, e de sua aceitação ou rejeição resultam consequências fáticas para a ação". (Extraído da obra de Lucia Aragão citada).

Para Habermas a argumentação seria, também, contextual. Contudo, não parece ficar claro como esta rejeição de argumentos, com o não atingimento do consenso se comporta dentro de seu esquema. Se há a possibilidade de que um acordo não seja atingido, há então a possibilidade de que o melhor argumento não possa ser escolhido em uma determinada situação. Logo, os pontos de vista particulares parecem pôr em apuros a ética do discurso universalista.

Que dizer do desenvolvimento desta máxima, quanto ao projeto prático-político da Teoria do Agir Comunicativo, o de uma emancipação da humanidade, quando a contradição fundamental que se coloca na sociabilidade atual encontra-se em torno de uma tensão entre particularidades distintas, quais sejam: o trabalho e o capital. A obra de Habermas parece apontar para uma realidade em que a classe trabalhadora não possui interesses antagônicos à classe burguesa. Ou seja, os conflitos classe ou poderiam ser resolvidos dentro da ética do discurso, ou seriam completamente desconsiderados pela Teoria do Agir Comunicativo, o que parece mais plausível. É neste sentido que parece guardar importância o questionamento de Richard Rorty, se partir de uma perspectiva crítica: como decidir qual é o melhor argumento, e, portanto, qual ação deve ser tomada frente a determinado problema prático, quando o consenso não puder ser atingido por causa das perspectivas particulares e antagônicas?

Conclusões prévias

Estas considerações terão uma evolução fundamental no pensamento habermasiano desembocando em sua filosofia do direito, que leva em consideração sua ética do discurso como sua fundamentação. Neste sentido, explorar estas suas contradições é de extrema importância. Então, entender porque Habermas identifica a obra de Marx com toda a tradição filosófica que o precede é o primeiro ponto para criticar sua escolha pelo paradigma da linguagem, ao invés do paradigma do trabalho.

Para além disto, a contradição interna da ética do discurso, de não poder fundamentar suas próprias regras em uma consenso fundamentado que, para ela mesma, é o critério de verdade, deve ser explorada para discutir até onde a postura de Habermas aponta, de fato, para uma ética cognitivista, em que se pode discutir a verdade dos posicionamentos normativos.

Por fim, a contradição externa em relação aos posicionamentos particulares, fundamentando-se que se vive em uma sociedade de classes em que as perspectivas hegemônicas são intrinsecamente antagônicas deve ser discutida para questionar a viabilidade da ética do discurso e, por consequência, da filosofia do direito e da democracia de Habermas, enquanto projeto prático-político de emancipação, que é seu objetivo declarado.

Assuntos para próximos estudos e textos.


Retomando o Blog...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

São idas e vindas, eu sei. O blog está parado há, pelo menos, três meses. Nenhuma postagem nova. Não necessariamente por falta de assunto, ou vontade. Na verdade, a correria do dia a dia tem forçado um afastamento indesejado do Antes Quixote.

Este não é um blog pessoal. Daí ser mais difícil estar atualizando ele o tempo inteiro, ou mesmo dando explicações do porquê dele não estar sendo atualizado. É um blog de opinião. Lancei ele para escrever sobre temas do meu interesse que, talvez, acabem sendo do interesse de outros também. Assim, prefiro demorar semanas para escrever alguma coisa que valha à pena nele a escrever como foi o meu dia, como vão sendo minhas férias, como foi minha última viagem etc. Estas postagens, apesar de serem do interesse de muitas pessoas, não são do meu.

Mas estive pensando em como compatibilizar as coisas e organizar o blog de uma maneira a alimentá-lo melhor. De antemão, eu também colaboro com o Mangue Wireless, que, por sinal, encontra-se em uma situação um pouco melhor por causa de um ou outro de seus autores. Eu mesmo estou tão relapso com ele, quanto com o Quixote. Daí, o primeiro problema que preciso resolver é como dividir uma produção textual mínima para cada um dos sites. A resposta mais prática que eu encontrei foi a seguinte: como o Mangue é um espaço que pretende ser uma leitura mais rápida, diria até "prática", eu resolvi escrever textos mais imediatos para ele. Textos que tenham como temas questões mais concretas. Para o Quixote, que sempre teve o objetivo de fazer discussões um pouco mais profundas, baseadas em fatos recentes, eu deixo os textos que me parecerem mais teóricos.

Na verdade, essa era uma postura que eu já vinha cultivando há um tempo. Por isso, por exemplo, no Quixote temos um texto sobre relações de gênero baseado em uma reportagem da Super Interessante, sobre criminalização dos movimentos sociais etc, enquanto no Mangue eu postei textos sobre o Novo ENEM, sobre a crise econômica etc. A diferênça é que isto está explícito agora.

Então, esta é uma primeira premissa daqui para frente. O Antes Quixote vai servir para discussões mais de fundo ou mais abstratas (como sobre arte, análise de filmes, músicas etc.), não que o Mangue seja um espaço superficial, mas, para ele, vou tentar reservar um caráter mais de crônicas, ou até jornalístico (agora que o diploma escafedeu-se). Partindo daí, vou voltar a priorizar o Quixote. Por um tempo contribuí mais com o outro site do quê com este aqui. No entanto, esta prioridade vai ter de ser compatibilizada com as minhas demandas pessoais atuais. Em resumo: é como se, no Mangue eu fosse dizer porque o estardalhaço sobre a morte do Michael Jackson, e no Quixote fosse dizer porque o fato dele morrer não faz lá muita falta.

Estou no último ano da faculdade e isso significa uma coisa: TCC. Além disso, (sei que falei que esse não é um blog pessoal, mas essas considerações têm tudo a ver com o tema) estou na gestão do DCE-UFAL e militando no grupo "Além do Mito...", estagiando no TRT, dando uma força em um escritório de advocacia ainda em fase de iniciação, dando conta da faculdade de uma forma geral e de um grupo de estudos sobre economia política e outro de pesquisa sobre direitos humanos. E, sinceramente, nenhuma dessas atividades me parece totalmente descartável, apesar de, claro, algumas estarem perdendo sua importância, principalmente o Movimento Estudantil.

Isto significa uma coisa: não será surpresa se por aqui aparecerem mais textos sobre a filosofia do direito, Habermas e Lukács (tema do TCC), sobre temas interessantes de economia, direitos humanos, etc. Vou tentar compatibilizar o que preciso estudar fora daqui, com o que preciso escrever aqui dentro. E vamos ver no que é que dá.

Nunca perdi a vontade de levar o blog adiante, mas o tempo é curto e, como qualquer ser humano, eu também preciso dormir (o que é uma grande perda de tempo, convenhamos).

Mas é isso. Mudei até o layout do blog para me animar. Quixote de volta ao dorso do Roncinante daqui pra frente!