Uma teoria da modernidade e a teoria discursiva do direito (parte 1)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Como vimos, o projeto de Habermas insere-se em uma proposta que arroga para si o expresso objetivo de reavivar a pretensão, de origem marcadamente iluminista, de emancipar a humanidade através de seu exercício racional. Para tanto, o autor iniciará um acerto de contas com a crítica à razão instrumental levada à frente pelos filósofos da Escola de Frankfurt, que o impele à formulação de um novo conceito de razão: a razão comunicativa.

Seu projeto buscou responder a três dificuldades encontradas por ele nas formulações frankfurtianas, que envolviam a fundamentação normativa da Teoria Crítica, seu conceito de razão e ciência e sua postura frente às tradições democráticas do Estado de Direito, como já foi asseverado antes, além de livrar a filosofia das esperanças ontológicas e transcendentais que à impregnavam. Busque-se, então, uma tentativa de entender como cada uma dessas questões relaciona-se, em Habermas, a uma teoria da modernidade que busca respostas às patologias sociais em um projeto emancipatório.



    1. A questão da verdade e a Ética do Discurso

O projeto racional de Jürgen Habermas, na busca da construção de um projeto amplo de razão, procura demonstrar a possibilidade de se falar, em termos racionais, de questões, não apenas instrumentais-cognitivas, tal qual já vinha sido postulado pela tradição filosófica anterior, mas ainda, para questões prático-morais e para as expressões estéticas e subjetivas.

Nesse aspecto da razão comunicativa estão refletidas algumas de suas mais profundas características. Em primeiro lugar, a racionalidade surgirá em um contexto comunicativo, afastando-se da clássica formulação da filosofia da consciência, que afirmava um sujeito, de todo solipsista, como recipiente de toda a racionalidade. Em Habermas, de forma radicalmente distinta, a sede da construção racional humana encontra-se na prática comunicativa cotidiana.

Assim, apenas em contextos de fala, os seres racionais, capazes de agir e comunicar-se, poderão expressar a racionalidade da qual a espécie humana é detentora. Disso, pode-se apreender o peso fundamental que o conceito do agir comunicativo possui na formulação do autor. O agir comunicativo, basicamente


se refiere a la interacción de a lo menos dos sujetos capaces de lenguaje y de acción que (ya sea con medios verbales o con medios extraverbales) entablan uma relación interpersonal. Los actores buscan entenderse sobre una situación de acción para poder así coordinar de común acuerdo sus planes de acción y con ello sus acciones.1


Dessa maneira, Habermas procura demonstrar como o agir comunicativo é capaz de superar as diversas outras formas sociológicas de ação. Ele seria capaz de, em um só ato, reunir as pretensões dos agentes capazes de ação e fala, para que resolvam suas expectativas de ação, tanto em um plano teleológico, quanto em relação ao agir regulado por normas, quanto em relação ao agir dramatúrgico2. Então, o agir comunicativo confunde-se, ele próprio, com a prática comunicativa cotidiana, formuladora de questões atinentes à racionalidade.

A partir de uma busca por uma pragmática universal, o frankfurtiano de segunda geração pretende demonstrar o aspecto basilar do agir comunicativo. Os agentes de uma interação determinada, buscam, através de atos de fala, comunicar suas pretensões de validade a seus ouvintes/oponentes. Suas pretensões de validade deverão ser sempre amplamente criticáveis para que, através da ação comunicativa, voltada para uma busca cooperativa da verdade, elas possam ser fundamentadas através de razões, buscando o convencimento mútuo. A busca última do agir comunicativo é, portanto, o consenso3.

E nesse aspecto básico fundamenta-se a teoria epistemológica habermasiana. À verdade, ele tentará livrar, em um primeiro momento, da carga clássica da teoria de origem tomista, de adequação à coisa4. Como já mencionado, o filósofo em questão procura insistentemente afastar-se das “esperanças ontológicas” das tradições filosóficas que o antecederam. Para ele, a idéia de verdade passará a se fundamentar no acordo racionalmente motivado através da ação comunicativa5.

Essa é uma questão com diversos desdobramentos no pensamento de Habermas, dos quais poder-se-á discutir apenas uma limitada gama delas. Como podem os agentes capazes de ação e fala dedicar-se, mutuamente, a uma busca cooperativa da verdade? De que categorias podem eles servirem-se nessa empreitada? E, sendo a verdade o resultado de um entendimento mútuo, de um consenso, pode-se argumentar num sentido de que todo os acordos já atingidos identificam-se, por assim dizer, à verdade?

Às primeira questões, é caro o conceito de pretensões de validade. São elas pretensões, tornadas claramente formuladas através de proferimentos que, em uma situação comunicativa, os agentes expressam com o intuito de demonstrar, através de razões, os motivos pelos quais defendem determinada posição acerca de um estado de coisas no mundo6. As pretensões de validade dividem-se em três categorias básicas que relacionam-se, por sua vez, aos conceitos formais de mundo que são utilizados na prática comunicativa.

Os agentes comunicativos podem proferir pretensões de validade voltadas para questões passíveis de verdade, de correção normativa ou justeza, ou, no tocante a questões estético-expressivas, de veracidade ou sinceridade7. Nesse ponto, é imprescindível a explicitação do que vem a ser o conceito formal de mundo.

Habermas defende a posição de que, em sua prática comunicativa cotidiana, os agentes referem-se a três esferas de existência, quais sejam: o mundo objetivo, o mundo social e o mundo subjetivo. O que o filósofo busca, com a divisão exposta não é estabelecer uma existência de não comunicação entre cada uma das esferas referidas. Pelo contrário, sua unidade básica queda guarnecida. A necessidade dessa divisão em três conceitos meramente formais de mundo busca uma explicação aprofundada do que seria o mundo externo do sujeito e o munto interno a ele8.

As duas primeira dimensões, o mundo objetivo e o social pertencem à categoria de um mundo externo. O primeiro, refere-se a um mundo idêntico a todos os observadores, que envolve estados de coisas passíveis de ser identificados com pretensões de verdade. O segundo, refere-se a um mundo que existe intersubjetivamente compartilhado, formado pelas normas vigentes para o conjunto social. O mundo interno, por sua vez, poderá ter sua formulação final apenas enquanto conceito complementar. Envolve o mundo subjetivo, o qual é formado pelas experiências individuais às quais cada sujeito tem um acesso privilegiado9.

Com isso, fica clara a ligação entre as pretensões de validade e os conceitos formais de mundo. Cada uma delas está visceralmente ligada a um dos conceitos em questão. Habermas aprofunda a importância dessa ligação ao afirmar que as pretensões de validade podem cumprir sua tarefa unicamente a partir dessa inexorável conexão com os mundos objetivos (pretensões de verdade), social (pretensões de correção) ou subjetivo (pretensões de veracidade). É na medida que fazem referência a essas esferas que elas tornam-se suscetíveis de crítica, e, assim, podem atuar em uma busca cooperada pela verdade10.

Assim, para concluir, ainda que de forma sistematicamente resumida, a importância das pretensões de validade para o corpo teórico habermasiano, torna-se necessário a explicação dos atos de fala capazes de trazê-las a uma situação comunicativa.

Habermas apóia-se na formulação dos atos de fala, valendo-se dela para fundamentar seu próprio edifício filosófico. A teoria dos atos de fala, na qual J.L. Austin possui destacado papel, os divide em atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Em síntese, pode-se utilizar as palavras de Lucia Aragão quando esclarece que


nos primeiros, o falante simplesmente diz algo, expressa um estado-de-coisas, enquanto nos ilocucionários realiza uma ação enquanto diz algo, e, nos perlocucionários, ao falar, causa um efeito sobre o ouvinte, produz algo no mundo.11


As pretensões de validade, por sua vez, são proferidas através de atos ilocucionários, por permitirem um nexo entre a ação e a linguagem.

Essas formulações darão bases à clássica divisão conceitual entre fala (Rede) e discurso (Diskurs). Não é qualquer ato de fala que portará, em si, uma pretensão de validade passível de crítica e fundamentação racional. Para Habermas, a mera fala é uma forma de comunicação em que os participantes não buscam a crítica às pretensões de validade levantadas. Eles apenas as aceitam como formadoras de um consenso básico.

Nos discursos, a atitude dos participantes demonstra-se de maneira bastante diversa. Esses se caracterizam por serem uma participação comunicativa na qual intenta-se fundamentar as pretensões de validade levantadas. Dessa maneira, apenas os discursos podem levar à frente uma situação de fala orientada para o entendimento mútuo em busca de um acordo racionalmente motivado12. Da mesma forma que os conceitos formais de mundo, relacionam-se de maneira bastante intrincada com cada pretensão de validade correspondente: os proferimentos que levantem pretensões de verdade estarão contidos em discursos teóricos; de forma análoga, as pretensões de correção são atinentes aos discursos práticos; enquanto as pretensões de veracidade conectam-se à crítica estética, à crítica terapêutica13. Esclareça-se, contudo, que não há uma rígida separação entre essas formas de discurso na prática comunicativa cotidiana. O próprio Habermas esclarece que essas formas encontram-se, sempre, entrelaçadas14.

A essa altura torna-se impossível não notar a importância que, para Habermas, possui uma teoria da argumentação15. Como já exposto, para o autor, a atual tarefa do pensamento filosófico centra-se na investigação dos pressupostos de uma pragmática universal. Tais pressupostos devem ser capazes de permitir, aos participantes, a atuação em discursos que visam ao acordo racionalmente motivado. Em outras palavras, é tarefa da filosofia buscar as condições que devem ser estabelecidas para que os sujeitos racionais, em suas relações intersubjetivas alcancem, através de seus atos de fala munidos de pretensões de validade, acordos racionalmente motivados que permitam a coordenação de suas ações.

A teoria da argumentação, assim, permitiria uma distinção entre aqueles consensos em que se chegou através de uma determinada situação de fala, distinguindo-se, dentre eles, aqueles que realmente estabelecem um acordo motivado de maneira condizente com os postulados da razão comunicativa.

Dessa maneira, torna-se mister perceber que, para o autor em discussão, apenas os consensos construídos a partir da força da razão identificam-se, de fato, com o conceito de verdade que tenta pôr em movimento. Ao mesmo tempo, a verdade é, ela mesma, uma idéia reguladora, que está ineliminavelmente vinculada ao conceito de falibilidade, podendo ser revista através da prática da argumentação16.

No entanto, para fundamentar essas formulações demonstra-se necessária a discussão acerca dos pressupostos aos quais as argumentações devem atender. Este itinerário encontra-se profundamente relacionado com sua proposta de uma Ética do Discurso.

As pretensões de validade só poderão ser objeto de crítica através de um processo argumentativo. Para tanto, deve-se ter em mente que, frente a uma situação de comunicação em que são criticadas as pretensões de validade exposta, serão genuínos, unicamente, aqueles consensos que se construírem sob condições de um discurso livre de quaisquer coações. A única força coativa permitida em um debate racional seria a coação fraca dos argumentos17. E nisso, exatamente, consubstancia-se a necessidade de fundamentar racionalmente as pretensões de validade apresentadas.

Se racionalmente fundamentadas, as mesmas deverão ser livremente aceitas por parte dos demais participantes da interação. Portanto, o que Habermas quer postular é uma comunicação livre de coações e violência, com uma distribuição simétrica “das chances de escolha e realização de atos de fala”18. A argumentação é uma forma “infrequente e rara”19 de comunicação. Isso acontece por ela tratar-se, justamente de uma forma de comunicação que deve atender a determinados pressupostos nem sempre encontrados faticamente. A teoria da argumentação habermasiana se completa com o recurso à situação ideal de fala. Nessa, estariam postos os pressupostos segundo os quais nada além dos próprios argumentos, ou seja, além da própria razão, permitiriam a chegada ao consenso. Seriam eles, “em síntese, esfera pública, distribuição eqüitativa dos direitos de comunicação, não-violência e autenticidade”20

São, portanto, condições contra-fáticas do discurso. No entanto, para Habermas, configuram uma medida externa de observação à legitimidade ou não dos consensos atingidos. Fazem parte de uma pressuposição à qual todos os participantes de discurso têm de se submeter para levarem à frente seu próprio agir comunicativo21. Não pode ser entendida, como parte de uma teoria da argumentação, fora de uma perspectiva reconstrutivista dos pressupostos de uma pragmática universal.

A situação ideal de fala, encerra, dessa maneira, uma idéia fundamental frente à teoria da verdade de Habermas: sua processualidade. A verdade, enquanto idéia de regulação, será submetida, em última instância, não à adequação ao estado de coisas, mas ao acordo racionalmente motivado ao qual se tenha chegado através de um procedimento argumentativo que siga as regras consubstanciadas em uma situação de fala que serão sempre mais ou menos concretizadas. E, nesse sentido, é imprescindível a percepção de que toda a razão comunicativa, em seus amplos aspectos voltados para os mundos objetivo, social e subjetivo, é uma razão processual, submetida à formulação de acordos entre os participantes capazes de fala e ação22.

Em que sentido insere-se, dessa forma, a Ética do Discurso? Essa estará voltada para a discussão de pretensões de correção normativas e discursos práticos. A preocupação habermasiana sobre esse tema insere-se em um contexto de renascimento das discussões em torno da filosofia prática23. O projeto consubstancia-se na formulação de uma eticidade condizente com os postulados da razão comunicativa.

A Ética do Discurso é tributária de uma concepção de eticidade com raízes nas idéias expostas por Kant. Esta, ao contrário dos discursos acerca da esfera prática que durante muitos anos foram proferidos, apega-se a um conceito universalista e cognitivista de ética. Kant intenta, através de seu imperativo categório, de fundamentação racional, postular a capacidade humana de portar-se em relação ao gênero de maneira que a máxima de suas atitudes pudesse ser seguida por todos sem que a sociedade, por isso, sofresse de quaisquer consequências nocivas24.

A proposta de Habermas, tributária dos trabalhos teóricos de Karl-Otto Apel, no entanto, afastar-se-á, de Kant e de seu colega de Frankfurt, à medida que renuncia a uma fundamentação última para a sua ética. Se os postulados kantianos encontram na razão seu fundamento, Apel valer-se-á do conceito de contradição performativa25, com o qual busca demonstrar que, ao negar as condições de uma Ética do Discurso universal, o participante já está participando de um discurso prático segundo os seus postulados.

Para Habermas, no entanto, este pressuposto não é mais que uma fundamentação fraca. Ele preferirá enquadrar a Ética do Discurso no âmbito das ciências reconstrutivas que têm a pretensão de explicitar os pressupostos pragmáticos para o exercício da linguagem por parte dos seres humanos e, com isto, de sua expressão racional26. As contradições performativas ganham peso central nessa construção habermasiana como demonstrativos das condições empíricas às quais devem se submeter os participantes de um discurso prático27.

Com isso, o autor poderá renovar a pretensão kantiana de construir uma filosofia prática universal e cognitivista. Sua proposta, porém, ao contrário daquela do filósofo de Königsberg, não partirá da filosofia da consciência e de sua idéia de sujeito. Pelo contrário, é uma concepção de eticidade fundada marcadamente em termos de uma formulação prático-moral intersubjetiva.

É cognitivista porque, a partir de toda a formulação de Habermas acerca das pretensões de validade, ele poderá postular que as questões prático-morais são passíveis de verdade de uma forma análoga à questões objetivas28. Assim, podem ser discutidas a partir de uma perspectiva que ponha em questão a correção de proferimentos e ações frente a normas estabelecidas, bem como, que questione a própria legitimidade dessas normas. É, no entanto, uma ética justificadora, e não geradora, posto que ela estabelece um procedimento formal para a análise da legitimidade das normas ao invés de estabelecer, ela própria, as normas que seriam vigentes29. Neste aspecto, uma teoria filosófico-prática tal qual a de John Rawls em sua Uma Teoria da Justiça apresenta-se como a perspectiva de um participante em um discurso prático, mas não como uma teorização sobre a ética em si30.

Seu aspecto universalista se explicita sobre as bases de uma ética que intenta demonstrar os pressupostos universais de participação em discursos práticos, bem como na formulação de normas de conduta. Daí, é auferido o princípio U, que corresponde ao princípio a ser seguido para a garantia de uma normatização com validade universal. Ele postula uma formulação imparcial dessas normas, de modo que da discussão normativa sejam extirpadas as questões do “bem viver”, e restem, unicamente, a pretensão ao justo. Toda norma válida deve satisfazer à condição de que


as consequências e efeitos colaterais, que previsivelmente resultam de uma obediência geral da regra controversa para a satisfação dos interesses de cada indivíduo, podem ser aceitos sem coação por todos.31


Essa idéia, tal qual toda a eticidade habermasiana, é possível apenas no quadro de uma formulação tributária das ciências reconstrutivas. Para o autor, as formulações de Piaget e Kohlberg32, acerca da ontogênese moral, podem demonstrar como, em níveis morais pós-tradicionais (ao qual Habermas acredita ter chegado a humanidade) os participantes de discursos práticos podem realizar o que George H. Mead chamou de “ideal role taking33. Ou seja, para a concretização de uma postura ética, os participantes de um discurso prático devem colocar-se no papel do outro, julgando, dessa maneira, de forma imparcial e abstrata as formulações normativas em questão.

No entanto, a Ética do Discurso, ela própria, resumir-se-á em um princípio diverso. Esse, ao contrário do princípio U não pertence à lógica da argumentação, mas consubstancia a própria idéia de um decorrer ético. Segundo ele: “só podem reclamar validez as normas que encontrem (possam encontrar) o assentimento de todos os concernidos enquanto participantes de um Discurso prático34.

Esse é o princípio do discurso ou princípio D de Habermas. E com recurso a ambos os princípios, um primeiro, que demonstra a postura a ser assumida por aqueles que participam de discursos práticos, e um segundo que torna passível um julgamento procedimental e cognitivista sobre as normas vigentes, o autor de Teoria do Agir Comunicativo pretende demonstrar como se procedem as formulações normativas intersubjetivamente compartilhadas no mundo social, tendo essas formulações consequências diretas na filosofia do direito que apresentará mais tarde.

1 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: Racionalidad de la acción y racionalizaión social. Vol I. Madrid: Taurus, 1999. p. 124. “se refere à interação de, pelo menos, dois sujeitos capazes de linguagem e de ação que (seja com meios verbais ou com meios extra-verbais) iniciam uma relação interpessoal. Os atores buscam entender-se sobre uma situação de ação para poder, assim, coordenar de comum acordo seus planos de ação e com isso suas ações”. (Tradução livre).

2 “Pero sólo el modelo estratégico de acción se da por satisfecho com la explicación de las características de la acción directamente orientada al éxito, mientras que los restantes modelos especifican condiciones bajos las que el actor persigue sus fines – condiciones de legitimidad, de autopresentación, o de acuerdo comunicativamente alcanzado - , bajo las que ego puede 'conectar' sus acciones com las de alter.” Idem, ibdem. p. 146. “Mas somente o modelo estratégico de ação se dá por satisfeito com a explicação das características da ação diretamente orientada ao êxito, enquanto que os restantes modelos especificam condições sob as quais o autor persegue seus fins – condições de legitimidade, de auto-representação, ou de acordo comunicativamente alcançado -, sob as quais ego pode ‘conectar’ suas ações com as de alter”. (Tradução livre).

3 Idem, ibdem. p. 27.

4 REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 26.

5 HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 48.

6 Idem, ibdem. p. 28.

7 ARAGÃO, Lucia. Habermas: filósofo e sociólogo do nosso tempo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002. p. 113.

8 “Apoyándome em el uso ordinario del lengauje, en el cual utilizamos los conceptos simétricos de mundo interno y mundo externo, hablo de mundo subjetivo em contraposición con el mundo objetivo y el mundo social. Ciertamente que en este contexto la expresión 'mundo' puede dar lugar a malentendidos. El ámbito de la subjetividad guarda una relación de complementariedad con el mundo externo, el cual viene definido por el hecho de ser compartido con los demás”. HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 81. “Apoiando-me no uso ordinário da linguagem, no qual utilizamos os conceitos simétricos de mundo interno e mundo externo, falo de mundo subjetivo em contraposição com o mundo objetivo e o mundo social. Certamente que neste contexto a expressão ‘mundo’ pode dar lugar a mal entendidos. O âmbito da subjetividade guarda uma relação de complementariedade com o mundo externo, o qual vem definido pelo fato de ser compartilhado com os demais”. (Tradução livre).

9 Idem, ibdem. p. 80.

10 Idem, ibdem. p. 79.

11 ARAGÃO, Lucia. op. cit. p. 114.

12 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 96.

13 HABERMAS, Jürgen. op. cit. pp. 38ss.

14“Os problemas de mediação colocam-se inicialmente no interior das esfera da ciência, da moral e da arte. É aqui que surgem movimentos de reação. Assim, as abordagens não-objetivistas no quadro das ciências humanas fazem valer, sem pôr em perigo o primado das questões de verdade, também pontos de vista da crítica moral e da crítica estética. Assim também a discussão sobre a ética da responsabilidade e da convicção e a consideração mais intensa de motivos utilitaristas no quadro de éticas universalistas põem em jogo pontos de vista do cálculo de consequências e da interpretação de necessidades, que pertencem ao domínio do cognitivo e do expressivo. A arte pós-vanguardista, finalmente, está caracterizada pela estranha simultaneidade de orientações realistas e politicamente engajadas com os prolongamentos autênticos da modernidade clássica que destacara o sentido autônomo do estético; com a arte realista e engajada, porém, impõem-se de novo, ao nível da riqueza de formas que a vanguarda liberou, aspectos cognitivos e prático-morais. Parece, assim, que os aspectos da razão que se diferenciaram nessas contracorrentes queriam remeter a uma unidade que, no entanto, só pode ser reconquistada aquém das culturas de especialistas, por conseguinte no quotidiano, e não além, nos fundamentos e profundezas da filosofia da razão”. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. pp. 32-33.

15 HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: Racionalidad de la acción y racionalizaión social. Vol I. Madrid: Taurus, 1999. p. 26-27.

16 REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. pp. 22-23.

17 HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 27

18 SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 105.

19 HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 46.

20“1) Todos os participantes potenciais em um discurso devem ter igual oportunidade de empregar atos de fala comunicativos, de modo que a qualquer momento possam tanto iniciar um discurso, como perpetuá-lo mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas. 2) Todos os participantes no discurso devem ter igual oportunidade de formular interpretações, afirmações, recomendações, dar explicações e justificativas, e de problematizar, fundamentar ou refutar sua pretensão de validade, de modo que nenhum prejulgamento se subtraia a longo prazo da tematização e crítica. (…) 3) Para o discurso admitem-se apenas falantes que, como agentes, tenham oportunidades iguais de empregar atos de fala representativos, isto é, de expressar suas posições, sentimentos e desejos. Pois somente a concordância recíproca dos universos de expressão individual e a simetria complementar entre proximidade e distância nos contextos de ação garantem que os agentes, também como participantes no discurso, sejam também verídicos uns com os outros e tornem transparentes sua natureza interior. 4) Para o discurso só se admitem falantes que, como agentes, tenham a mesma oportunidade de empregar atos de fala reguladores, isto é, de mandar e opor-se, de permitir e proibir, de fazer e retirar promessas, de prestar e pedir contas. Pois somente a reciprocidade plena das expectativas de comportamento, que excluem privilégios no sentido de normas de ação e valoração que só obriguem unilateralmente, podem garantir que a distribuição formal uniforme das oportunidades de iniciar e continuar uma discussão, seja empregada também faticamente para deixar em suspenso as coações da realidade e passar para a dimensão comunicativa do discurso, dimensão livre da experiência e desobrigada da ação”. HABERMAS, Jürgen, apud REESE-SCHÄFFER, Walter. op. cit. pp. 24-25.

21 HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 69

22 Idem, ibdem. p. 107

23 MAIA, Antonio Cavalcanti. Jürgen Habermas: filósofo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 39.

24 Idem, ibdem. pp. 51-52.

25 REESE-SCHÄFFER, Walter. op. cit. p. 72.

26 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 121.

27 Idem, ibdem. pp. 102-103.

28 Idem, ibdem. p. 88.

29 MAIA, Antonio Cavalcanti. op. cit. p. 60.

30 HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 117.

31 Idem, ibdem. p. 116.

32 Uma fundamentação mais acurada desta tese é dispensável para os fins deste trabalho, no entanto pode ser encontrada em HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1983.

33 HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 86.

34 Idem, ibdem. p. 117.

O que significa a Caveira?

sábado, 16 de janeiro de 2010

Texto escrito originalmente para a edição especial do jornal "A Voz do Direito" do Centro Acadêmico Guedes de Miranda, Direito - UFAL, a ser distribuída aos calouros de 2010. Quentinho, saindo do forno!


O que significa a Caveira?


Desde crianças somos acostumados a tratar com os mais diversos signos e seus respectivos significados. Além das letras, da própria linguagem escrita, e na verdade, bem antes dela mesma, é comum a educação comunicativa começar não só com as palavras mais simples, mas também com determinadas figuras que representam, em geral, um conceito completo.


Entre elas, uma que frequentemente aparece até mesmo em desenhos animados é o de uma Caveira. Quando vista em uma garrafa, ela significa que o líquido nela contido não deve ser bebido. Quando vista em uma bandeira, ela representa os corsários, que, no mais das vezes, e apesar de certos representantes heróicos, costumam ser vistos como criminosos e desonrados. A Caveira significa, em suma, perigo, veneno, violência. Morte. A sua visão é um sinal de mau agouro, de más sensações. De medo.


No Brasil, ela tem um significado a mais. A Caveira foi eleita como símbolo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar. O famoso (e ainda mais famoso depois de aparecer no cinema) BOPE. Desde crianças nos apresentam o policial como um símbolo de segurança, honra, de luta pela paz de todos. Mas porque a própria corporação que deve se orgulhar de ostentar tais significados escolhe, para si própria (estampando em fardas, veículos etc.) o símbolo do perigo, do veneno, da violência e da morte?


Para responder esta contradição, como a muitas outras de nossos tempos, é necessário ir além do aparente. Além do óbvio. É necessário discutir as instituições de nossas sociedades a partir das funções que cumprem efetivamente, e não apenas daquelas funções que declaram cumprir. A polícia combate o crime. Claro e evidente como uma manhã de sol! Mas as coisas se complicam quando se levanta a seguinte questão: “o que é o crime”?


Por questões de espaço, digamos, em grosseiro resumo, que comete crime aquele que possui conduta contrária às proibições da lei penal, desde que, comprovado através de um devido processo legal, receba uma condenação judicial através de sentença. Mas, indo além do óbvio, entre o que acontece na realidade social e aquilo que é impresso nas sentenças judiciais existe um longo caminho a ser percorrido. Fazer este caminho ao contrário pode demonstrar suas distorções e suas verdadeiras funções nas sociedades modernas.


O discurso penal repressor, comumente defendido nos meios midiáticos mais sensacionalistas, mas também, com maior sofisticação, diversas vezes divulgado nas próprias academias de Direito, vale-se de uma simples mistificação: o crime é mau. Esta frase aparentemente simples carrega um significado profundo. O crime é algo naturalmente ruim, um desagregador social e merece ser combatido, custe o que custar. Aquele que o comete merece ser preso (quando não se elevam as condenações para aquelas sequer permitas pela lei como o linchamento e a morte).


Ora, mas o crime, como vimos, é aquilo que vai contra a lei penal. A lei penal, por sua vez, é definida através de um processo legislativo, ou seja: um processo político. Isto, por si só, aclara uma questão importante. O crime não é uma realidade natural. Ele não é nem bom, nem mau. Ele é uma opção política. Alguém pode dizer que matar outra pessoa é naturalmente ruim e por isto deve ser um crime. Quanto à criminalização do homicídio não discordamos. Porém, se matar é naturalmente ruim, deve ser ruim em qualquer ocasião e, então, não ser permitido em qualquer caso. Mas o que dizer de soldados em guerra. Devem ser condenados por homicídio? Pior, o que dizer dos países onde a pena de morte é permitida? São nações naturalmente más? Não. Apenas tomaram determinada opção política legislativa. E, em geral, situações como as descritas não são consideradas crimes, apesar de serem condutas que podem ser classificadas moralmente como violentas e indesejáveis.


Isto deve nos levar a uma conclusão indispensável. Se o crime é uma opção política, terá condições de definir o crime (ou “a maldade”) aquele grupo social com o maior poder político. Em uma sociedade recheada de desigualdades (e o Brasil é um “belo” exemplo) não é difícil perceber que o poder político é também desigualmente distribuído. Significa dizer que o aparato penal será sempre utilizado em defesa dos interesses daqueles que têm o poder político de definir seus objetivos e mesmo as condutas a serem criminalizadas. Em uma economia capitalista, isto se confunde invariavelmente com o poder econômico.


Em termos práticos, é importante perceber que definir como crime condutas tais quais a pirataria, a invasão de propriedades, o aborto, o tráfico de drogas, por exemplo, atende a mais interesses do que simplesmente à paz social. Isto não quer dizer que não se deva procurar meios de reduzir a violência urbana e mesmo a criminalidade. Mas significa que, em inúmeros casos, a vigilância social se encontrará justificada sobre as camadas mais desfavorecidas da população, justamente aquelas que, por este mesmo motivo, podem tornar-se insatisfeitas com sua situação passando a condutas que desestabilizem as bases sociais. A questão é que as presentes bases sociais são as mesmas que permitem o acúmulo de grandes fortunas de um lado, e a fome e a miséria de outro.


Este tema é amplamente vasto. Mas pouco pode ser discutido no presente texto. O que se torna crucial é notar que inúmeros fatos dão alguma verdade (se não comprovarem completamente) o que está dito acima. Costuma-se dizer que a prisão só serve para “pretos, pobres e prostitutas”. O que deveria ser uma piada, ainda que racista, machista e de extremo mal gosto (que por si só já é detestável), acaba se tornando uma triste realidade. O cárcere, e este é apenas o exemplo mais gritante em todo o sistema penal, acaba servindo apenas para punir aqueles que já são diariamente oprimidos pela realidade que os circunda. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, no ano 2000, 66,5% da população carcerária do Rio de Janeiro era de negros e pardos, e destes 80,3% possuía baixa escolaridade, sendo 16,3% totalmente analfabetos. Pouco mudou até hoje. E, apesar disto criar a ilusão de que estão presos porque são criminosos, a verdade é que a seletividade do sistema apenas se fechou sobre eles, deixando de fora inúmeros crimes, em geral cometidos por representantes das classes mais privilegiadas.


Esta ilusão de que a criminalidade é sinônimo, ao mesmo tempo, do mau e da pobreza, justifica a nossa Caveira. Ou, pelo menos, justifica o fato de que ela costuma ser muito mais vista nas periferias do que nos bairros abastados das cidades. E não é apenas lá que atua o Batalhão de Operações Especiais. Não raras vezes é o BOPE pode ser visto tratando, sempre com seu jeito de “operar” todo “especial”, de problemas com sem-tetos que acampam em terrenos baldios, de manifestações estudantis contra abusos do setor empresarial dos transportes públicos, da “sujeira humana” que precisa ser recolhida antes de grandes eventos esportivos, como o Pan-Americano, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, entre várias outras situações. No fim, a polícia, seja sua “tropa de elite”, sejam seus “soldados rasos”, acaba servindo para resguardar os mesmos interesses que o discurso mistificador de que o crime é naturalmente mau e o pobre é naturalmente inclinado a ele.


Contudo, um rápido olhar nas estatísticas de criminalidade do próprio Ministério da Justiça demonstram que esta, apesar do esforço da Caveira, continuam a crescer. Isto significa, no mínimo, que ela não tem sido combatida de uma forma eficaz. E mesmo assim, esta mesma forma violenta, excludente e opressora continua sendo aplicada ano após ano. O que está por trás disto é uma questão muito mais profunda que diz respeito ao modelo de sociedade na qual vivemos. E significa dizer que, enquanto vivermos em uma sociedade na qual as desigualdades sejam a tônica; enquanto não desistirmos de insistir nesta mesma sociedade e passar a buscar os meios de construção de uma forma de sociabilidade completamente alternativa; enquanto não for realidade, uma sociedade em que a igualdade é efetiva e material, e não apenas formal; a polícia vai significar sim segurança, mas só para alguns interesses, e não para todos. E a Caveira, por sua vez, ainda vai significar perigo, veneno, violência e morte para a maioria da população, para aqueles que convivem diariamente com a opressão, a exploração e a negação de seus direitos mais básicos. E a Caveira se esforçará para continuar significando o medo para eles, em uma tentativa abnegada de impedir que se levantem e agarrem aquilo lhes pertence: sua condição mínima de seres humanos.

Filósofo trotskista Daniel Bensaïd morreu

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010


Repassando a notícia...

Filósofo trotskista Daniel Bensaïd morreu


O filósofo francês Daniel Bensaïd, teórico e militante do movimento trotskista, morreu na manhã de hoje aos 63 anos, após prolongada doença, anunciou o Novo Partido Anticapitalista (NPA) à agência France Presse.

Bensaïd foi um dos fundadores da Liga Comunista Revolucionária, após o movimento de Maio 68 no qual participou activamente.

Em Fevereiro de 2009, participou na criação do NPA de Olivier Besancenot.

O filósofo foi um dos princiais dirigentes da Quarta Internacional (organização trotskista fundada em 1938) e esteve envolvido em combates internacionalistas.

Nascido em Toulouse a 25 de Março de 1946, Daniel Bensaïd foi professor de filosofia na universidade de Paris. Publicou várias obras, colaborou nas revistas Critique Communiste e ContreTemps e participou na criação da Fundação Louise Michel.

Diário Digital / Lusa

Fonte: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=4&id_news=430093
12-01-2010

Da Crítica à Razão Instrumental até a Razão Comunicativa (parte 3)

    1. A “guinada lingüística” rumo a um conceito amplo de racionalidade.

Para uma análise fiel acerca da forma como Habermas busca tratar as outras duas dificuldades que encontra na Teoria Crítica (seu conceito de razão e ciência, e sua relação com as tradições democráticas da modernidade), é necessário, antes, buscar a fundamentação de sua resposta. Significa dizer: para Habermas, como exposto anteriormente, o caminho de volta do beco sem saída no qual se encontra a crítica à razão frankfurtiana é uma mudança de profundo impacto. O autor irá propôr um outro conceito de razão, que de seu ponto de vista apresenta-se como superior justamente por sua maior abrangência.

O objetivo de Habermas, ao formular a proposta da razão comunicativa é superar um conceito que julga demasiadamente estreito de razão. A concepção utilizada por seus tutores em Frankfurt identifica-a, apenas, à capacidade humana de conhecer1 os fenômenos a sua volta, possibilitando-os ao agir racional com respeito a fins2. Em via diversa, a proposta habermasiana busca identificar, na razão, suas dimensões diversas, capaz de fazer com que ela incline-se não apenas sobre os fatos objetivos do mundo, mas possibilite um julgamento cognitivista acerca de questões prático-morais e expressões estéticas3. Esta forma de racionalidade permitiria, dessa maneira, uma recuperação do projeto emancipatório original do Iluminismo, frente à desistência irracional advogada pela antiga Teoria Crítica e pelo pós-estruturalismo4.

Habermas fará, então, um caminho que, em primeiro momento, o levará a re-localizar o papel da filosofia na contemporaneidade. Se, no que se refere ao seu próprio lugar, a filosofia entendia-se enquanto indicadora5 do lugar de cada ciência, à antiga “rainha das ciências” o autor irá propôr um novo papel


de um guardador de lugar – um guardador de lugar para teorias empíricas com fortes pretensões universalistas, que são objeto de arremetidas sempre renovadas das cabeças produtivas em cada disciplina. Isto vale sobretudo para as ciências que procedem reconstrutivamente, partindo do saber pré-teórico dos sujeitos que julgam, agem e falam de maneira competente, bem como de sistemas epistêmicos da tradição cultural, afim de aclarar os fundamentos presumidamente universais da racionalidade da experiência e do juízo, da ação e do entendimento mútuo lingüístico.6


A passagem indicada acima traz, em um só espaço, três importantes elementos para a absorção da lição de Habermas. Primeiro, seu julgamento acerca da tarefa da filosofia contemporânea. Destituída seja das “esperanças ontológica” ou “que abrigaram a filosofia transcendental”7, hoje ela dobra-se sobre a questão da investigação das “hipóteses sobre competências e estruturas universais de conhecimento e ação8, permitindo que as disciplinas científicas as absorvam e as julguem de acordo com critérios empíricos.

O segundo elemento, volta-se ao conceito de ciências reconstrutivas. Essas, buscam o que o autor irá denominar de reconstituição reconstituinte do saber9. Ou seja, buscam, para além do conhecer do objeto puro e simples, típico das ciências nomológicas, as regras que são efetivamente seguidas pelos homens que agem e falam na busca do entendimento mútuo a partir de seu conhecimento pré-teórico e suas tentativas falhas ou bem sucedidas em alcançar esse objetivo10. Buscam dessa forma o know-how, do agir humano11. A fundamentação de uma pragmática universal, capaz de identificar, no homem comum, as competências presentes em todos que permitem a interação entre eles12.

Esse novo método identificado por Habermas será contraposto pelo próprio autor à tipologia das ciências que esse sugere em Conhecimento e Interesse. Como bem demonstra Antonio Cavalcanti Maia, o apego meramente às ciências empírico-analíticas, hermenêuticas e as orientadas em uma perspectiva crítico-emancipatória calhou de encontrar-se insuficiente. A aquisição de uma postura diversa, que valoriza as ciências reconstrutivas, permitiria, então a Habermas, melhor explorar os fundamentos do quê, em 1968 ele denominou de interesse voltado à emancipação13.

Isso nos leva ao terceiro elemento de grande importância na última passagem: o mútuo entendimento lingüístico. A importância dada à categoria da linguagem por Habermas vem desde os seus textos anteriores à Teoria do Agir Comunicativo. Já em Conhecimento e Interesse, o autor irá identificá-la como a característica da humanidade capaz de diferenciá-la, enquanto gênero do restante da natureza14.

Sob a alcunha de uma “ruptura cultural”15, Habermas irá identificar na interação entre os homens o modus operandi do agir humano universal. E à essa conclusão o filósofo pôde chegar, apenas, por utilizar-se de suas duas últimas concepções exploradas acima. A partir de uma realocação do papel do pensar filosófico, como um exercício de busca de competências universais da humanidade, somado às contribuições das ciências reconstrutivas, sobretudo a antropologia de G. H. Mead16 e as teses do desenvolvimento cognoscitivo de Piaget, bem como os desenvolvimentos da mesma apresentados por Kohlberg17.

Habermas fará uma comparação, em um sentido de afastamento, entre a categoria do trabalho e a da comunicação. Sob a lição de Mead, ele irá declarar que, ao contrário das antigas tradições filosóficas, que postulavam o surgimento do gênero humano, a partir de sua relação produtiva com a natureza, através da atividade laboral, da qual a vertente marxista figura o maior exemplo, seria a capacidade de interação que fundaria o homo sapiens. Chega a essa conclusão a partir de pesquisas que demonstrariam que, não apenas os homens, mas já os homínidas realizavam trabalho18. O surgimento humano dar-se-ia, então, a partir da substituição do sistema de organização societal animal, por um patamar superior: o da comunicação19.

Na comunicação reside um interesse básico da humanidade: o do entendimento mútuo20. Sem que essa possibilidade de chegar a um acordo entre aqueles que se expressam lingüisticamente, a própria comunicação não faria sentido. Os homens falam entre si apenas porque podem chegar a um consenso e a partir daí derivarem suas posturas e ações seguintes21.

Esse postulado fundamental irá permitir a construção de um diferente paradigma filosófico. O da filosofia da linguagem, que Habermas irá contrapôr ao antigo paradigma da consciência. O caminho a essa resposta torna-se, assim, bastante claro. Descoberta a competência universal da humanidade, a linguagem, e sendo entendida a filosofia como um exercício de busca das formas de agir que estão ao alcance de todos os homens, a pesquisa acerca da racionalidade volta-se, agora, para seu objeto munida de uma nova perspectiva. Esse, o objeto, permanece o mesmo, a razão. Porém, com o paradigma da linguagem, a razão reveste-se, ao contrário do que acontecia com a filosofia da consciência, de realidade objetiva, expressa nas estruturas da linguagem22.

A questão filosófica fundamental deixa de ser aquela postulada a partir do cogito cartesiano: “o que posso conhecer”. A filosofia da linguagem entende que a razão encontrará seu instrumento, justamente, nas estruturas racionais da comunicação. E Habermas justifica essa postura afirmando que “expressões gramaticais constituem algo acessível publicamente; nelas podemos adivinhar estruturas, sem sermos levados a nos referir a algo meramente subjetivo”23. A razão, que era entendida pela filosofia da consciência como um a priori, a cujo qual a tarefa filosófica poderia chegar diretamente, não gozaria mais dessa prerrogativa sob o paradigma da linguagem. Agora, pode-se chegar a ela apenas por uma via indireta, valendo-se da investigação das regras e estruturas sob as quais os homens valem-se da comunicação para expressar suas pretensões racionais24. E, por essa via, a questão fundamental da filosofia transmuda-se, a exemplo de seu paradigma, das capacidades cognitivas da razão, para suas capacidades compreensivas, traduzindo-se na pergunta fundamental: “O que posso entender?”25.

É a partir daí que ficam abertas as possibilidades de um revigoramento do projeto emancipatório do Iluminismo. Habermas quer demonstrar que as tentativas irracionais do pós-estruturalismo de construírem suas críticas à modernidade estarão, ainda, profundamente atreladas ao paradigma da consciência, ou seja, a um conceito de razão enraizado na figura do sujeito e formulado por uma filosofia da história, negando à racionalidade por apegarem-se a ele26. Sua proposta, do contrário, caminhará no sentido de uma recusa ao sacrificium intellectus da pós-modernidade27.

A resposta habermasiana parte da convicção de que sua negação ao paradigma da consciência é extremamente conseqüente, posto que, a ele, contrapõe um paradigma diverso que é capaz de explorar e expressar os limites daquele que supera. Negar o paradigma da razão centrada no sujeito permite a formulação de uma razão que encontrará suas bases, unicamente, no reconhecimento mútuo entre sujeitos que se ligam através de um exercício comunicativo28.

Daí surgirá o conceito de racionalidade que Habermas irá contrapôr à razão da filosofia da consciência:


Por “racionalidade” entendemos, antes de tudo, a disposição dos sujeitos capazes de falar e de agir para adquirir e aplicar um saber falível (…) assim que concebemos o saber como algo mediado pela comunicação, a racionalidade encontra sua medida na capacidade de os participantes responsáveis da interação orientarem-se pelas pretensões de validade que estão assentadas no reconhecimento intersubjetivo.29


Habermas irá contrapôr, então, à razão limitada do paradigma da consciência, que volta-se apenas sobre “um saber sobre algo no mundo objetivo”, que limita a racionalidade a critérios de “verdade e êxito” de um “sujeito que conhece e age segundo fins”, um conceito de racionalidade diverso. A razão comunicativa vale-se, não mais do sujeito que age e tem de agir isoladamente, mas do peso da intersubjetividade que é presente no agir racional da comunicação. A racionalidade torna-se, portanto, procedimental, capaz de voltar-se não apenas para o mundo objetivo, mas, igualmente, para questões de justeza normativa, veracidade subjetiva e adequação estética, que serão resolvidas segundo a interação e o conseqüente acordo entre os sujeitos que interagem, que avaliaram, através do diálogo, as pretensões de validade expressas nas posições de cada um30.

Dessa maneira, pretenderá Habermas ultrapassar o paradoxo em que cai a Teoria Crítica. Sua crítica à razão instrumental entende-a, portanto, como apenas uma dimensão da racionalidade humana. Através da filosofia da linguagem ele é capaz de estabelecer uma nova dimensão entre a razão e as ciências portanto. Uma dimensão de mútuo apoio, em que a filosofia prepara as hipóteses universais a serem testadas pelo saber científico, ao mesmo tempo em que se vale desse saber, que carrega consigo a marca de sua falibilidade. As conseqüências, evidente, não são apenas essas. São acompanhadas do revigoramento do projeto Iluminista de uma emancipação através do exercício da razão humana. Habermas pretende, portanto, não se afastar do projeto da modernidade, que considera inacabado, mas radicalizá-lo no sentido de um cada vez maior esclarecimento do esclarecimento, buscando a maioridade do gênero humano. A história da crítica à razão instrumental é, então, absorvida por ele apenas como a “história dos umbrais da emancipação da espécie”31.


1 “A razão centrada no sujeito encontra suas medidas em critérios de verdade do conhecimento de objetos e de suceso no domínio sobre objetos e coisas”. SIEBENEICHLER, Flávio Beno. op. cit. p. 63. Grifos nossos.

2“Tales nexos resultan particularmente claros en la obra de Max Weber. Su jerarquía de conceptos de acción está de tal modo planteada con vistas al tipo que representa la acción racional com arreglo a fines, que todas las demás acciones pueden ser classificadas como desviaciones específicas respecto a ese tipo”. HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: Racionalidad de la acción y racionalizaión social. Vol I. Madrid: Taurus, 1999. p. 22. “Tais nexos resultam particularmente claros na obra de Max Weber. Sua hierarquia de conceitos de ação está de tal modo apresentada com vistas ao tipo que representa a ação racional com respeito a fins, que todas as demais ações podem ser classificadas como desvios específicos com respeito a esse tipo” (Tradução livre).

3“En los contextos de comunicación no solamente llamamos racional a quien hace uma afirmación y es capaz de defenderla frente a un crítico, aduciendo las evidencias pertinentes, sino que también llamamos racional a aquel que sigue uma norma vigente y es capaz de justificar su acción frente a un crítico iterpretando una situación dada a luz de expectativas legítimas de comportamiento. E incluso llamamos racional a aquel que expresa verazmente un deseo, un sentimento, un estado de ánimo, que revela un secreto, que confiesa un hecho, etc., y que después convence a un crítico de la autenticidad de la vivencia así develada sacando las consecuencias práticas y comportándose de forma consistente con lo dicho”. Idem, ibdem. pp. 33-34. “Nos contextos de comunicação não somente chamamos de racional a quem faz uma afirmação e é capaz de defendê-la frente a um crítico, aduzindo às evidências pertinentes, senão que também chamamos racional a aquele que segue uma norma vigente e é capaz de justificar sua ação frente a um crítico interpretando uma situação dada à luz de expectativas legítimas de comportamento. E, inclusive, chamamos racional a aquele que expressa com veracidade um desejo, um sentimento, um estado de ânimo, que revela um segredo que confessa um feito etc., e que depois convence a um crítico da autenticidade da vivência assim desvelada sacando as consequências práticas e comportando-se de forma consistente com o que é dito”. (Tradução livre).

4SIEBENEICHLER, Flávio Beno. op. cit. p. 47.

5ARAGÃO, Lucia. op. cit. p. 96.

6HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 30. Grifos nossos.

7HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa: Racionalidad de la acción y racionalizaión social. Vol I. Madrid: Taurus, 1999. pp. 16-17.

8ARAGÃO, Lucia. op. cit. p. 96.

9HABERMAS, Jürgen. O Discursos Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins-Fontes, 2000. p. 415.

10Idem, ibdem. pp. 415-416.

11BOHMAN, James, apud MAIA, Antonio Cavalcanti. Jürgen Habermas: filósofo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 68.

12“A teoria da pragmática universal tem por tarefa específica identificar e reconstruir condições universais do possível entendimento”. HABERMAS, Jürgen apud SIEBENEICHLER, Flávio Beno. op. cit. p. 88.

13MAIA, Antonio Cavalcanti. op. cit. pp. 64-65.

14“Distingue-se este interesse da natureza mediante um dado fatual, o único possível de conhecimento por sua própria natureza: a linguagem. A emancipação é colocada por nós com sua estrutura. A primeira proposição expressa inequivocamente a intenção de um consenso universal e não a simples imposição”. HABERMAS, Jürgen. In: ADORNO, Theodor W., BENJAMIN, Walter, HORKHEIMER, Max e HABERMAS, Jürgen. Os Pensadores. Vol. XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975, p. 300.

15ARAGÃO, Lucia. op. cit. p. 85.

16REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 65.

17“Habermas apresenta os trabalhos de G. H. Mead, M. Weber, É. Durkheim, J. Piaget e Kohlberg como modelos deste tipo de teoria, que une o método da reconstrução conceitual filosófica à pesquisa empírica propriamente dita. SIEBENEICHLER, Flávio Beno. op. cit. p. 55.

18HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 115.

19“Podemos falar de reprodução da vida humana, a que se chegou com o homo sapiens, somente quando a economia de caça é complementada por uma estrutura social familiar. Esse processou durou muitos milhões de anos; ele equivale a uma substituição, de nenhum modo insignificante, do sistema animal de status – que já entre os macacos antropóides se funda em interações mediatizadas simbolicamente (no sentido de G. H. Mead) – por um sistema de normas sociais que pressupõe a linguagem”. Idem, ibdem. pp. 116-117.

20V. nota 85 retro.

21“a competência específica da espécie humana de poder falar uma linguagem constitui a condição necessária e suficiente para que os homens cheguem à maioridade, à racionalidade”. SIEBENEICHLER, Flávio Beno. op. cit. p. 88.

22ARAGÃO, Lucia. op. cit. p. 92.

23HABERMAS, Jürgen apud ARAGÃO, Lucia. op. cit. p. 92.

24“E foi exatamente através desse recurso ao método reconstrutivo que nosso autor conseguiu propor outro conceito de razão. Esta, como ele a define, é uma razão 'situada', porque sua existência se revelou através de suas manifestações nas práticas e formas de vida humanas. A partir da análise da comunicação quotidiana, percebeu poder inferir uma competência universal a todo falante e agente (adulto e sadio): a capacidade comunicativa de dizer algo que se espera que seja compreendido pelo outro e sobre o qual busca a concordância. Esta capacidade, por sua natureza essencialmente dialógica e intersubjetiva, por sua vez, permitiria supor uma predisposição para o entendimento mútuo entre os homens, que se contraporia ao desejo de domínio da razão instrumental”. ARAGÃO, Jürgen. op. cit. p. 95.

25REESE-SCHÄFER, Walter. Compreender Habermas. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. p. 53.

26“Dos conceitos da razão centrada no sujeito e da ilustração marcante de sua topografia não poderá se livrar aquele que quer abandonar, junto com o paradigma da filosofia da consciência, todos os paradigmas em geral e refugiar-se na clareira da pós-modernidade”. HABERMAS, Jürgen. O Discursos Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins-Fontes, 2000. p. 431.

27Idem, ibdem. p. 431.

28Idem, ibdem. pp. 431-432

29 Idem, ibdem. p. 437.

30 Idem, ibdem. p. 437.

31 HABERMAS, Jürgen, apud SIEBENEICHLER, Flávio Beno. op. cit. p. 34.